Essa
semana, o fato político mais relevante a nível mundial
foi o referendo que ocorreu na Escócia, onde o povo iria
decidir se permanecia parte do Reino Unido ou se tornariam
independentes. A eleição foi especificamente bastante
angustiante para todos os lados porque de acordo com as pesquisas,
não se sabia quem poderia vencer nessa disputa, se era o sim
(a favor da independência) ou o não, já que ambas
as posições estavam bastante parelhas nas opiniões
dos escoceses.
Muito se
discutia a viabilidade ou não de uma Escócia
independente. Questões práticas sobre a governação
cotidiana e da geopolítica internacional foram levantadas:
será que a União Europeia aceitaria o país
rapidamente, dando exemplo indesejado a regiões separatistas
na Europa, como Catalunha, Veneza e Valônia? Usariam a libra
esterlina como moeda, o euro ou alguma moeda própria? E a
segurança, ficaria o país vulnerável a um ataque
terrorista?
Com o
resultado sendo o “não”, o Reino Unido – ao menos por
ora – permanece unido e a monarquia britânica com as suas
possessões intactas. Mas o que realmente estava em jogo no
referendo escocês era além dos prejuízos ou
vantagens econômicas e políticas de uma possível
independência escocesa, mas sim mostra um momento em que o
conceito de Estado-Nação está sendo questionado.
Criado
em fins de século XVIII com o advento da Revolução
Francesa, o conceito de um Estado que está acima das
juridições locais das comunidades, substituindo-as por
normas dadas por um Estado centralizador. Bastante diferente do que
ocorreu durante a Idade Moderna (séculos XV-XVIII), onde o
modelo principal de governação era o das monarquias
compósitas, onde os reis não tinham o poder
centralizado em suas mãos, mas tinham que respeitar os poderes
e instituições locais das comunidades que estavam sob a
coroa.
A função do rei era principalmente fazer com que
a lei e a justiça local, muitas vezes vindas de tradições
seculares das comunidades, fossem respeitadas, e essa era a condição
para que fosse admitido que o monarca reinasse. Ou seja, nas
monarquias da Idade Moderna, havia dentro de um reino uma pluralidade
de jurisdições, leis e ordenações, muitas
vezes contraditória entre si, que o monarca tinha que manter
caso quisesse se manter no poder sem revoltas instigadas pela nobreza
e o povo, que viam na violação dessas leis uma ameaça
às suas liberdades (no sentido que a palavra tinha na Idade
Moderna, que não era a liberdade individual, mas sim da
comunidade) e privilégios.
Catalães apoiando independência escocesa
Com a
criação do Estado-Nação, todo esse corpo
de jurisdições locais será suprimido pela
afirmação cada vez mais evidente do poder central, que
agora não tem mais o papel de manter e legitimar as leis e
hierarquias locais, mas sim legislar e administrar o país
acima dos particularismos. Com a destruição lenta, e
não sem grandes conflitos, das leis particulares de cada
localidade, os novos Estados-Nações puderam criar a
Constituição, que torna as leis válidas para
todas as partes do território.
Esse
processo coincidiu com a ascensão do liberalismo como
ideologia política e uma variante do capitalismo, o que foi
fundamental no avanço desse processo na medida em que para o
liberal, a liberdade individual está acima da comunidade,
dessa forma, os homens devem se fazer representar como indivíduos,
não como coletividade.
Dessa forma, o novo Estado-Nação,
ancorado no tripé do liberalismo político e econômico,
além do individualismo (embora durante o século XIX e
XX tal modelo será sempre contestado e esse Estado conhecerá
outras variantes ), vai se consolidar como um Estado defensor da
liberdade individual e da política como reflexo das escolhas
dos governados através da representantes eleitos. Liberdade
individual, centralização e representação
são as palavras chave para entender o Estado-Nação
moderno.
No
século XX, o Estado-Nação liberal foi contestado
por movimentos anarquistas, comunistas e fascistas, porém, nos
dois últimos, a idéia de centralização do
Estado foi canalizado para uma ideia antiliberal, ou seja, contra as
liberdades individuais e econômicas em prol do totalitarismo,
porém, tais modelos foram derrotados e entramos no século
XXI com um predomínio quase que absoluto do Estado-Nação
nos moldes liberais.
Os
movimentos separatistas, sempre ativos durante o século XIX e
XX, ganharam mais força no século XXI com a crise
econômica de 2008, o que fez diversos países europeus a
questionar o modelo político sobre qual estavam assentados, e
também o seu modelo econômico. Com isso, o apelo das
comunidades locais voltou a ser bastante forte por toda a Europa. Na
Bélgica, Flamengos e Valões não chegam a um
acordo para a organização do seu país, sendo a
unidade mantida apenas pela pessoa do rei. Na Espanha, a Catalunha,
após ser esmagada a sua tentativa de saída da coroa
espanhola no século XVII, em 1640, em 1715 e nos anos 1930 por
Franco, agora tem um movimento mais consistente do que nunca pela
independência. O país Basco idem, além de Veneza,
na Itália, onde em um plebiscito informal, a população em sua maioria aprovou a secessão.
O que
está em jogo por toda a Europa agora é a preservação
do conceito de Estado-Nação e além disso, o
modelo econômico globalizado vigente. Com uma política e
economia cada vez mais mundializadas e geopolicamente integradas, o
apelo de retorno ao conceito de nação original, ou
seja, o conjunto da comunidade local, nunca pareceu tão forte
nesses últimos dois séculos, e o plebiscito escocês
não encerrou essa página, apenas abriu as
possibilidades de diversas regiões da Europa, e mesmo do mundo
(Kosovo, Curdos, Chechênia, Tibet, entre outras) pedirem
secessão de seus países sem haver conflitos pelas
armas, mas sim através da vontade popular. Isso que estamos vendo é um processo de, além de mudanças políticas, transformações econômicas, pois o capitalismo como conhecemos hoje está também em mutação, além de seus fluxos de circulação econômica, modificações que essas secessões territoriais podem vir a acelerar
Isso tem um
potencial de em pouco tempo redefinir as fronteiras do mundo. Será
interessante acompanhar no que essa abertura de uma caixa de Pandora
aberta pelos escoceses, que os governos do mundo gostariam de manter
fechada, irá resultar.