sábado, 26 de março de 2016

É HORA DE IR EMBORA


A maculada presidente deveria renunciar agora

As dificuldades de Dilma Rousseff tem se aprofundado por meses. Os grandes escândalos envolvendo a Petrobras, a gigante estatal petrolífera da qual ela foi presidente, tem envolvido algumas das pessoas mais próximas à ela. Ela preside sobre uma economia sofrendo sua pior recessão desde 1930, principalmente por erros que ela cometeu durante seu primeiro mandato. Sua fraqueza política tem deixado seu governo quase impotente frente ao crescimento do desemprego e na queda do padrão de vida. Suas taxas de aprovação mal alcançam dois dígitos e milhões de brasileiros saíram às ruas para gritar “Fora Dilma”.


E ainda, até agora, a presidente brasileira poderia com justiça reivindicar que a legitimidade conferida pela sua reeleição de 2014 estava intacta e que nenhuma das acusações feitas contra ela justificariam seu impeachment. Como os juízes e a polícia que está investigando algumas das mais importantes figuras do Partido dos Trabalhadores (PT), ela poderia dizer de cara limpa do seu desejo de ver a justiça feita.




Agora ela afundou essas vestes de credibilidade. No dia 16 de março, Dilma fez uma decisão extraordinária de nomear seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para ser o chefe de seu gabinete. Ela retratou isso como um lance perspicaz. Lula, como ele é conhecido, é um operador político sagaz: ele poderia ajudar a presidente a sobreviver à tentativa do Congresso de impeacha-la, e talvez estabilizar a economia. Mas dias antes, Lula tinha sido rapidamente detido para interrogatório por ordem de Sérgio Moro, o juiz federal responsável pelas investigações da Petrobras (chamada de Lava-Jato), em que há a suspeita que o ex-presidente lucrou com o esquema de propinas. Promotores do Estado de São Paulo acusaram Lula de esconder sua propriedade de um condomínio de fente ao mar. Ele nega essas acusações. Ao adquirir o posto de ministro, Lula teria imunidade parcial. Somente a Suprema Corte poderia julga-lo. Eventualmente, um juiz do STF suspendeu sua nomeação.


Esse jornal tem longamente argumentado que o sistema jurídico ou os eleitores - não políticos interesseiros tentando impeacha-la - deveriam decidir o destino da presidente. Mas a nomeação de Lula por Dilma parece uma tentativa grosseira de impedir o curso da Justiça. Mesmo que não fosse a intenção dela, esse seria o efeito. Foi o momento quando a presidente escolheu os estreitos interesses do seu grupo político sobre o império da lei. Ela assim se tornou inapropriada para permanecer presidente.


Três formas de deixar o Planalto


Como ela sairá do Planalto tem grande importância. Nós continuamos a acreditar que , na falta de provas de crimes, o impeachment de Dilma é injustificável. O procedimento contra ela no Congresso é baseado em alegações sem provas que ela maquiou as contas públicas para esconder o verdadeiro tamanho do deficit orçamentário de 2015. Isso parece um pretexto para tirar uma presidente impopular. A ideia, apresentada pelo líder do comitê do impeachment, que os congressistas  que irão deliberar o destino de Dilma ouvirão “a voz das ruas” apontaria para um preocupante precedente. Democracias representativas não deveriam ser governadas por protestos e pesquisas de opinião.
Há três formas de retirar Dilma que repousam em fundamentações mais legítimas. A primeira seria mostrar que ela obstruiu as investigações sobre a Petrobras. Alegações de um senador do PT (Delcídio do Amaral) que ela fez isso talvez forme agora a base para um segundo pedido de impeachment, mas até agora não há provas e ela nega ter feito isso; Dilma ter tentado proteger Lula de uma ação penal talvez forneça mais fundamentos. Uma segunda opção seria uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de convocar novas eleições. Talvez façam isso se descobrirem que a campanha de reeleição de 2014 foi financiada com propinas fornecidas através de executivos da Petrobras. Mas essa investigação será demorada. A melhor e mais rápida maneira de Dilma deixar o Planalto seria ela renunciar antes de ser mandada embora.

O vice-presidente Michel Temer



A sua partida ofereceria ao Brasil a chance de um novo começo. Mas a renúncia da presidente não iria, por si mesma, resolver os muitos problemas fundamentais do Brasil. Seu lugar seria inicialmente tomado pelo vice-presidente Michel Temer, líder do PMDB. Temer poderia liderar um governo de união nacional, incluindo os partidos de oposição, quais, em teoria, deveriam ser capazes de embarcar nas reformas fiscais, necessárias para estabilizar a economia e acabar com um deficit orçamentário que está perto de 11% do PIB.


Infelizmente, o partido de Temer está tão profundamente envolvido no escândalo da Petrobras quanto o PT. Muitos políticos que se apoiariam um governo de união, incluindo alguns da oposição, são popularmente vistos como representantes de uma desacreditada classe dirigente. Em um congresso de 594 membros, 352 enfrentam acusações de malfeitos criminais. Uma nova eleição presidencial iria dar aos eleitores uma oportunidade de confiar as reformas à um novo lider. Mas mesmo isso seria deixar a legislatura podre até 2019.


O judiciário, também, tem questões a responder. Juízes merecem grandes créditos por chamar à responsabilidade os maiores empresários e políticos, mas eles tem minado a sua causa por desprezarem as normas legais. O último exemplo é a decisão de Sergio Moro de liberar gravações telefônicas de conversas entre Lula e seus aliados, incluindo Dilma. Muitos juristas acreditam que somente o STF poderia divulgar conversas em que uma das partes tem imunidade legal, como a presidente possui. Isso não justifica a alegação dos defensores do governo que os juízes estão armando um “golpe”. Mas torna fácil para os investigados na Lava-Jato desviar a atenção de seus próprios erros para os equívocos de seus investigadores.

Juiz Sérgio Moro


A guerra de partidos e personalidades no Brasil obscurece algumas das mais importantes lições da crise. Tanto o escândalo da Petrobras e a crise econômica tem suas origens nas leis e práticas equivocadas que são muito antigas. Retirar o Brasil dessa bagunça requer mudança por atacado: controlar os gastos públicos, incluindo as pensões. Revisão geral das esmagadoras altas de impostos e leis trabalhistas. E reformar um sistema político que encoraja a corrupção e enfraquece os partidos políticos.

Essas reformas não podem mais ser adiadas. Aqueles que gritam “Fora Dilma” nas ruas deveriam reivindicar vitória se ela estiver deposta. Mas para o Brasil realmente ganhar seria somente o primeiro passo.

Fonte: The Economist

quinta-feira, 10 de março de 2016

O QUE É NECROFILIA IDEOLÓGICA?



De Mao à Trump, alguns líderes são cegamente fixados em más ideias


Todos nós conhecemos alguém assim: um amigo que sempre se apaixona pelo homem errado, ou um colega talentoso que pula de trabalho em trabalho porque ele aparentemente não pode tolerar nenhum tipo de autoridade. Sigmund Freud chamava isso de “a compulsão da repetição” - um padrão psicológico onde pessoas repetem os mesmos maus comportamentos apesar de estarem cientes dos seus resultados negativos.


Mas esse fenômeno não afeta somente indivíduos. Ele também afeta grupos políticos e mesmo nações inteiras que ficam encantadas por líderes cujas idéias já foram experimentadas e demonstradas como fracassadas. Essas más idéias, que deveriam estar mortas e enterradas, dão um jeito de periodicamente reaparecer e ganhar popularidade.


Muitos anos atrás, eu chamei essa condição de “necrofilia ideológica”: necrofilia é uma atração sexual por cadáveres. Necrofilia ideológica é uma fixação cega por más idéias. Acontece que essa patologia é mais comum na sua forma política do que na sexual. Ligue sua TV hoje à noite e eu aposto que você verá alguns políticos passionalmente apaixonados por uma idéia que já foi testada e fracassou, ou defendendo crenças que tem se provado falsas pela incontestável evidência.


Maoismo é um bom exemplo. A doutrina enfatizava a necessidade de uma “revolução permanente”, insistia que os camponeses deveriam ser os protagonistas da vida política e econômica, fazer da coletivização agrícola a norma e privilegiar pequenas indústrias em vez das unidades econômicas de larga escala. A Revolução Cultural de Mao Tsé Tung, O Grande Salto Para Frente e outras políticas causou estragos à nação, produzindo fome em massa e no fim deixando mais de 40 milhões de chineses mortos. Nos anos 1980, uma avaliação do legado de Mao por um jornal oficial chinês concluía: “nos seus últimos anos ele cometeu grandes erros por um longo período, e o resultado foi um grande desastre para o povo e seu país. Ele criou uma tragédia histórica”. Essa dura conclusão deveria ter arruinado as idéias de Mao, mas ainda os auto-proclamados rebeldes e partidos políticos maoístas permanecem em um surpreendente número de países.

Bernie Sanders e Donald Trump

Peronismo é outro exemplo. Argentina tem uma dúbia distinção de ser o único país que foi capaz de “desdesenvolver” a si mesmo depois de alcançar padrões de vida equivalentes à aqueles dos países desenvolvidos. O prolongado entusiasmo nacional pelo Peronismo em suas diversas formas é em grande parte a culpada por isso. O presidente Juan Domingo Perón, que liderou o país nos anos 1940 e 1950 e novamente nos anos 1970, foi um prodígio do populismo que se tornou tão proeminente na América Latina e em outros lugares. Ele e seus imitadores incentivaram o nacionalismo, fizeram promessas que eram impossíveis de serem cumpridas, exploraram questões de cunho racial, étnico ou religiosas e distribuíram recursos em nome dos pobres de maneiras que à longo prazo tornou a todos mais pobres.


É claro que políticos em todo o lugar dizem o que as pessoas querem escutar. Mas populistas vão muito mais além. Considere, por exemplo, a Venezuela de Hugo Chavez, um grande expoente do extremo populismo do século XXI. Antes da sua morte em 2013, ele obstinadamente perseguiu políticas conhecidas por terem falhado na Venezuela e em outros lugares: congelando preços de bens e serviços a níveis abaixo do seu custo de produção; tirar empresas privadas de seus donos e dá-las agentes nomeados politicamente;, permitir o governo gastar e disparar o endividamento, promover gasto dos consumidores através de insustentáveis doações, subsídios e créditos; desencorajando investimentos; estimulando importações em vez de exportações; e impondo um controle rígido do comércio com o exterior.


O resultado: o país com as maiores reservas de petróleo do planeta está agora importando gasolina. Sofre com os maiores índices de inflação e crítica escassez de comida, remédios, peças de reposição e muito mais. Uma nação que costumava ter a maior renda per capta na América Latina agora está em meio a uma crise humanitária. O que costumava a ser uma das mais longevas democracias da região é agora um Estado falido dirigido por um governante que se apóia nos militares para realizar todos os tipos de abusos autoritários. E ainda, as idéias e políticas de Chavez continuam a atrair admiradores na Venezuela e fora dela.


Necrofilia ideológica pode ser encontrada em todas as escolas de pensamento. Na direita e na esquerda, entre ambientalistas, separatistas, e nacionalistas, políticos religiosos e ateístas, defensores do livre mercado, campeões do governo grande ou apoiadores da austeridade econômica.


Nos EUA, Donald Trump tem proposto deportar em massa 11 milhões de imigrantes ilegais, construir um muro na fronteira dos EUA com o México e decretar uma proibição de qualquer muçulmano que deseje visitar ou imigrar para os EUA. Seus planos ecoam a trágica história da Europa de segregar grupos sociais “perigosos” pela discriminação e expulsão de suas casas. Por anos, os EUA tem construído muros e cercas para impedir imigrantes de cruzar a fronteira, sem resolver o problema da imigração ilegal. A pretensão de que na era da globalização, um grande, amplo e largo muro irá deter migrantes é profundamente falha também. Não somente seriam essas ideias falhas em trazer os seus prometidos resultados, mas elas são também próximas do impossível de serem implementadas. Ainda é agora claro que isso é irrelevante. De fato, essas más ideias são precisamente a razão dos seguidores de Trump estarem atraídos por ele.


Ted Cruz, candidato presidencial Republicano companheiro de Trump, tem argumentado que “bombardear completamente” o território do ISIS na Siria e no Iraque é a melhor forma de combater o grupo. Ele convenientemente desconsidera o fato de que a doutrina do Estado Islâmico está ganhando adeptos na Europa, EUA e Ásia e ISIS hoje é mais uma fonte amorfa de inspiração do que uma organização com endereço fixo. E como se os EUA não tivessem experiência com campanhas de bombardeios em massa em países distantes que resultaram exatamente no oposto do que os estrategistas de Washington pretendiam. Escrevendo no The Atlantic muitos anos atrás, Henry Grabar descreveu vividamente como os EUA nos anos 1960 e 1970 jogou mais bombas no Camboja do que os Aliados usaram em toda a 2ª Guerra Mundial, matando um incalculável número de pessoas, centenas de milhares de aldeões foram forçadas a fugir para a capital, causando superpopulação e escassez de comida; os cambojanos do campo que eram anteriormente neutros se radicalizaram. Essas condições talvez tenham contribuído para o surgimento do Khmer Vermelho no país.


Os candidatos Republicanos dificilmente possuem exclusividade na necrofilia ideológica. A atração de Bernie Sanders por grandes programas governamentais centralizados o coloca inequivocadamente entre os populistas que repudiam a ideia de manter equilíbrios fiscais e resultam em  insustentáveis deficits orçamentários governamentais. Os planos de seu site de campanha equivaleria de 18 a 30 bilhões de dólares em novos gastos nos próximos 10 anos. Empenhado em uma variante do socialismo europeu para a multidão de adoráveis jovens, ele ele não menciona que se eles fossem europeus, muitos deles estariam desempregados e sem perspectivas de acharem um trabalho com boa remuneração. O mais importante: muitas de suas políticas já foram testadas e muitas não funcionaram muito bem.

Em um mundo em qual umas poucas digitadas no teclado de um computador pode mostrar uma riqueza de informação sobre o histórico de uma proposta econômica ou política em particular, é surpreendente que a necrofilia ideológica seja ainda tão comum. Há muitas razões porque as más ideias perduram, mas talvez a mais importante seja a necessidade das pessoas acreditarem em um líder quando estão diante de graves ansiedades ou incertezas associadas à rápidas mudanças - e a inclinação demagoga nesses momentos frágeis de prometer qualquer coisa, mesmo as ideias já descartadas dos demagogos do passado, afim de obter e manter o poder.


Artigo traduzido da revista The Atlantic