De Mao à Trump, alguns líderes são cegamente fixados em más ideias
Todos nós conhecemos alguém assim: um amigo que sempre se apaixona pelo homem errado, ou um colega talentoso que pula de trabalho em trabalho porque ele aparentemente não pode tolerar nenhum tipo de autoridade. Sigmund Freud chamava isso de “a compulsão da repetição” - um padrão psicológico onde pessoas repetem os mesmos maus comportamentos apesar de estarem cientes dos seus resultados negativos.
Mas esse fenômeno não afeta somente indivíduos. Ele também afeta grupos políticos e mesmo nações inteiras que ficam encantadas por líderes cujas idéias já foram experimentadas e demonstradas como fracassadas. Essas más idéias, que deveriam estar mortas e enterradas, dão um jeito de periodicamente reaparecer e ganhar popularidade.
Muitos anos atrás, eu chamei essa condição de “necrofilia ideológica”: necrofilia é uma atração sexual por cadáveres. Necrofilia ideológica é uma fixação cega por más idéias. Acontece que essa patologia é mais comum na sua forma política do que na sexual. Ligue sua TV hoje à noite e eu aposto que você verá alguns políticos passionalmente apaixonados por uma idéia que já foi testada e fracassou, ou defendendo crenças que tem se provado falsas pela incontestável evidência.
Maoismo é um bom exemplo. A doutrina enfatizava a necessidade de uma “revolução permanente”, insistia que os camponeses deveriam ser os protagonistas da vida política e econômica, fazer da coletivização agrícola a norma e privilegiar pequenas indústrias em vez das unidades econômicas de larga escala. A Revolução Cultural de Mao Tsé Tung, O Grande Salto Para Frente e outras políticas causou estragos à nação, produzindo fome em massa e no fim deixando mais de 40 milhões de chineses mortos. Nos anos 1980, uma avaliação do legado de Mao por um jornal oficial chinês concluía: “nos seus últimos anos ele cometeu grandes erros por um longo período, e o resultado foi um grande desastre para o povo e seu país. Ele criou uma tragédia histórica”. Essa dura conclusão deveria ter arruinado as idéias de Mao, mas ainda os auto-proclamados rebeldes e partidos políticos maoístas permanecem em um surpreendente número de países.
Bernie Sanders e Donald Trump
Peronismo é outro exemplo. Argentina tem uma dúbia distinção de ser o único país que foi capaz de “desdesenvolver” a si mesmo depois de alcançar padrões de vida equivalentes à aqueles dos países desenvolvidos. O prolongado entusiasmo nacional pelo Peronismo em suas diversas formas é em grande parte a culpada por isso. O presidente Juan Domingo Perón, que liderou o país nos anos 1940 e 1950 e novamente nos anos 1970, foi um prodígio do populismo que se tornou tão proeminente na América Latina e em outros lugares. Ele e seus imitadores incentivaram o nacionalismo, fizeram promessas que eram impossíveis de serem cumpridas, exploraram questões de cunho racial, étnico ou religiosas e distribuíram recursos em nome dos pobres de maneiras que à longo prazo tornou a todos mais pobres.
É claro que políticos em todo o lugar dizem o que as pessoas querem escutar. Mas populistas vão muito mais além. Considere, por exemplo, a Venezuela de Hugo Chavez, um grande expoente do extremo populismo do século XXI. Antes da sua morte em 2013, ele obstinadamente perseguiu políticas conhecidas por terem falhado na Venezuela e em outros lugares: congelando preços de bens e serviços a níveis abaixo do seu custo de produção; tirar empresas privadas de seus donos e dá-las agentes nomeados politicamente;, permitir o governo gastar e disparar o endividamento, promover gasto dos consumidores através de insustentáveis doações, subsídios e créditos; desencorajando investimentos; estimulando importações em vez de exportações; e impondo um controle rígido do comércio com o exterior.
O resultado: o país com as maiores reservas de petróleo do planeta está agora importando gasolina. Sofre com os maiores índices de inflação e crítica escassez de comida, remédios, peças de reposição e muito mais. Uma nação que costumava ter a maior renda per capta na América Latina agora está em meio a uma crise humanitária. O que costumava a ser uma das mais longevas democracias da região é agora um Estado falido dirigido por um governante que se apóia nos militares para realizar todos os tipos de abusos autoritários. E ainda, as idéias e políticas de Chavez continuam a atrair admiradores na Venezuela e fora dela.
Necrofilia ideológica pode ser encontrada em todas as escolas de pensamento. Na direita e na esquerda, entre ambientalistas, separatistas, e nacionalistas, políticos religiosos e ateístas, defensores do livre mercado, campeões do governo grande ou apoiadores da austeridade econômica.
Nos EUA, Donald Trump tem proposto deportar em massa 11 milhões de imigrantes ilegais, construir um muro na fronteira dos EUA com o México e decretar uma proibição de qualquer muçulmano que deseje visitar ou imigrar para os EUA. Seus planos ecoam a trágica história da Europa de segregar grupos sociais “perigosos” pela discriminação e expulsão de suas casas. Por anos, os EUA tem construído muros e cercas para impedir imigrantes de cruzar a fronteira, sem resolver o problema da imigração ilegal. A pretensão de que na era da globalização, um grande, amplo e largo muro irá deter migrantes é profundamente falha também. Não somente seriam essas ideias falhas em trazer os seus prometidos resultados, mas elas são também próximas do impossível de serem implementadas. Ainda é agora claro que isso é irrelevante. De fato, essas más ideias são precisamente a razão dos seguidores de Trump estarem atraídos por ele.
Ted Cruz, candidato presidencial Republicano companheiro de Trump, tem argumentado que “bombardear completamente” o território do ISIS na Siria e no Iraque é a melhor forma de combater o grupo. Ele convenientemente desconsidera o fato de que a doutrina do Estado Islâmico está ganhando adeptos na Europa, EUA e Ásia e ISIS hoje é mais uma fonte amorfa de inspiração do que uma organização com endereço fixo. E como se os EUA não tivessem experiência com campanhas de bombardeios em massa em países distantes que resultaram exatamente no oposto do que os estrategistas de Washington pretendiam. Escrevendo no The Atlantic muitos anos atrás, Henry Grabar descreveu vividamente como os EUA nos anos 1960 e 1970 jogou mais bombas no Camboja do que os Aliados usaram em toda a 2ª Guerra Mundial, matando um incalculável número de pessoas, centenas de milhares de aldeões foram forçadas a fugir para a capital, causando superpopulação e escassez de comida; os cambojanos do campo que eram anteriormente neutros se radicalizaram. Essas condições talvez tenham contribuído para o surgimento do Khmer Vermelho no país.
Os candidatos Republicanos dificilmente possuem exclusividade na necrofilia ideológica. A atração de Bernie Sanders por grandes programas governamentais centralizados o coloca inequivocadamente entre os populistas que repudiam a ideia de manter equilíbrios fiscais e resultam em insustentáveis deficits orçamentários governamentais. Os planos de seu site de campanha equivaleria de 18 a 30 bilhões de dólares em novos gastos nos próximos 10 anos. Empenhado em uma variante do socialismo europeu para a multidão de adoráveis jovens, ele ele não menciona que se eles fossem europeus, muitos deles estariam desempregados e sem perspectivas de acharem um trabalho com boa remuneração. O mais importante: muitas de suas políticas já foram testadas e muitas não funcionaram muito bem.
Em um mundo em qual umas poucas digitadas no teclado de um computador pode mostrar uma riqueza de informação sobre o histórico de uma proposta econômica ou política em particular, é surpreendente que a necrofilia ideológica seja ainda tão comum. Há muitas razões porque as más ideias perduram, mas talvez a mais importante seja a necessidade das pessoas acreditarem em um líder quando estão diante de graves ansiedades ou incertezas associadas à rápidas mudanças - e a inclinação demagoga nesses momentos frágeis de prometer qualquer coisa, mesmo as ideias já descartadas dos demagogos do passado, afim de obter e manter o poder.
Artigo traduzido da revista The Atlantic
(...). Na direita, e na esquerda...
ResponderExcluirRetirado do texto original na lingua inglesa - "Ideological necrophilia can be found in all schools of thought: on the right and the left, among environmentalists, secessionists, and nationalists, faith-based politicians and atheists, defenders of the free market, champions of big government, or supporters of economic austerity."
ExcluirVocê tem razão. Obrigado pela correção, Reginato
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