sábado, 5 de julho de 2014

O Assassino Ardiloso de Sarajevo

*Por Tim Butcher

Numerosas inverdades tem persistido sobre Gravilo Princip, o homem que matou o arquiduque Francisco Ferdinando. Um deles foi usado pela Áustria-Hungria como base para sua declaração de guerra contra a Sérvia em 1914 


Assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando:
estopim para o início da guerra


Nenhum outro assassino, talvez se argumente, teve um maior impacto na história mundial que Gravilo Princip, o terrorista que desencadeou a 1ª Guerra Mundial ao matar o arquiduque Francisco Ferdinando in Sarajevo em 28 de Julho de 1914. Mas eu também sustentaria que nenhum outro assassino tem tido sua história tão mutilada ao ser recontada.
Foi-nos dito pelos historiadores, alguns dos quais que publicaram no período que antecedeu o centenário da 1ª Guerra Mundial, que: Princip pulou no estribo da limusine do arquiduque para lhe dar o tiro; que a esposa do arquiduque estava grávida quando ela morreu no tiroteio; que o assassinato ocorreu no aniversário de casamento dos arquiduques; que o carro não tinha marcha-ré, então, era incapaz de corrigir o erro do motorista que facilitou a ação do assassino; o arquiduque corajosamente pegou a granada atirada anteriormente no casal e jogou-a longe com indiferença; e Princip parou de comer um sanduíche em um café de esquina antes de aparecer para dar o tiro.

Todos esses detalhes e muitos outros publicados durante o último século são inverdades fantasiosas, superficiais e sem sentido. Talvez Napoleão estivesse certo quando observou que a história não é nada além das mentiras que não são mais disputadas. O mais escandaloso erro é a famosa foto que intenciona mostrar Princip sendo empurrado pela guarda austro-húngara momentos após o ataque.

Gravilo Princip: assassino dos herdeiros do
 trono da Áustria-Hungria


Tem sido usado ad nauseam por anos e, triste de ver, ilustra a capa de uma nova História de Cambridge da crise de Julho. O problema é que ela não mostra Princip. Ela mostra outro homem, um espectador inocente chamado Ferdinand Behr, sendo levado para interrogatório. Quando Behr escreveu uma declaração em 1935, que as contemporâneas autoridades do Wikipedia fariam bem em ler, ele estava sempre surpreso pela trapalhada, pois ele tinha mais de 1,82 metros, e tinha corpo forte, difícil de confundir com o muito mais magro e baixo Princip.

É justo dizer que Princip, um filho de camponês da parte mais remota da Herzegóvina, nasceu em um período que a Bósnia-Herzegóvina era uma parte distante do império Austro-Húngaro, não é o mais fácil personagem histórico de se estudar. Eu gastei os últimos três anos pesquisando-o e descobri que mesmo sua data de nascimento era difícil de se estabelecer. As autoridades da Igreja em Obljaj, a pobre e suja aldeia em que ele nasceu, escreveu nos registros paroquiais 13 de Julho de 1894. Eles, como a família de Princip, eram cristãos ortodoxos, uma identidade que, no vernacular da classificação étnica moderna, os torna bósnios sérvios, e eles escreviam em cirílico. Um segundo registro, dessa vez feita pelas autoridades municipais, mais confortáveis com a escrita latina dos ocupantes Habsburgo, escreveram 13 de Junho de 1894. Para um leitor que não lê cirílico, Julho e Junho são facilmente confundíveis.

A diferença não era de grande significado até o assassinato. Princip, preso dentro de segundos, poderia somente encarar a sentença de morte dentro da lei Austro-Húngara se ele tivesse 20 anos ou mais. Se seu aniversário fosse em Julho, ele não encararia nada mais grave do que a cadeia. Se no início de Junho, poderia ser enforcado.

Velório do arquiduque Francisco Ferdinando e de 
sua esposa, arquiduquesa Sofia


Com as melhores mentes legais do período disponíveis focando a questão, todas as vias foram exploradas. Eu achei, em um arquivo mal preservado no Arquivo Nacional em Sarajevo, um pedaço de papel com cálculos convertendo as datas do calendário Juliano, que era rotineiramente usado pelos sérvios locais e que possuía duas semanas de diferença do calendário Gregoriano.

Os promotores Habsburgos queriam ter certeza que o acusado não escapasse da pena de morte, se ele realmente tivesse 20 anos no dia do tiro. No fim, uma data de nascimento de 13 de Julho de 1894 foi aceita pela corte e Princip foi preso por 20 anos. Ele morreu na prisão de tuberculose óssea em Abril de 1918, uns poucos meses antes do fim da guerra que suas ações precipitaram.

Então, pesquisando os arquivos de Viena, Sarajevo, Belgrado e Istambul, cada detalhe sobre Princip tinha que ser manuseado com cuidado. Incrivelmente, eu achei itens perdido por outros: gravite deixado por Princip em 1909, sua aparição no censo Habsburgo de 1910 e, o mais excitante para mim, seus registros da escola secundária. Ele não era obstinado, mas reflexivo em seu lento e deliberado caminhar em direção ao radicalismo. Esperto, acadêmico e disciplinado, os registros o mostram saindo fora dos trilhos e nas mãos dos revolucionários.

Arquiduque Francisco Ferdinando e 
arquiduquesa Sofia


A mais importante descoberta histórica foi que não havia evidência para apoiar a acusação de Viena que Princip era um agente da Sérvia, as bases dadas em Julho de 1914 par aa declaração de guerra por parte da Áustria-Hungria à sua pequena e turbulenta vizinha. Isso foi o ato estratégico chave que arrastou as grandes potências para quatro anos de carnificina nas trincheiras, um multiplicador que tornou um assassinato localizado nos Bálcãs em um conflito global.

Ainda não restam bases confiáveis nos registros históricos para justificar as acusações de Viena. Princip passou uns poucos meses em Belgrado, capital da Sérvia, e lá ele encontrou nacionalistas extremistas, que o ajudaram a se armar e o mandaram de volta para Sarajevo de forma clandestina. Disso não se segue que esses extremistas eram apoiados, autorizados ou mesmo conhecidos pelo governo sérvio.

O ataque de Viena à Sérvia tinha tanta legitimidade quanto uma declaração de guerra pela Inglaterra à Irlanda em retalhação ao assassinato de Louis Mountbatten em 1979 por nacionalistas irlandeses. A melhor evidência nos registros mostram Princip não com um nacionalista sérvio, mas como um nacionalista eslavo, comprometido em libertar todos os locais, conhecido como Eslavos do Sul, sejam eles croatas, muçulmanos, eslovenos ou sérvios, então, sob o controle de um ocupante estrangeiro, a Áustria.

Isso é uma diferença importante que mina completamente a posição dos falcões de Viena de que um ataque em Belgrado fosse uma retalhação justificada por um complô sérvio para matar o arquiduque. Ainda, somente com uma fotografia incorreta da prisão, historiadores tem frequentemente repetido essa acusação infundada para retratar Princip como um agente de Belgrado.

Francisco José: imperador da  Áustria-Hungria 
que governou de 1848 à 1916


Wilfred Owen escreveu sobre a invocação patriótica dulce et decorum est pro patria mori como “a velha mentira”, mas eu vejo uma mentira ainda maior que desencadeou a 1ª Guerra Mundial. É a mentira usada por Viena em sua deliberada deturpação do assassinato de Sarajevo e seu papel no mais incompreendido assassinato da história.


Tim Butcher é o autor do The Trigger: Hunting the Assassin who Brought the World to War, publicado por Chatto & Windus

Artigo traduzido do revista History Today

3 comentários:

  1. achei itens perdidoS por outros
    gravite: grafite?
    retalhação: retaliação

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    1. Não apagarei, Marcelo, obrigado pelas correções :)

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  2. Assim como a rainha louca da Inglaterra queria a morte de Dayna e conseguiu.Assim tambem é esta Historia,onde o soberano odiava ferdinando e sua esposa....armaram tudo e os mandaram para morrer.

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