sábado, 20 de setembro de 2014

A Real Questão Por Trás do Referendo Escocês




Essa semana, o fato político mais relevante a nível mundial foi o referendo que ocorreu na Escócia, onde o povo iria decidir se permanecia parte do Reino Unido ou se tornariam independentes. A eleição foi especificamente bastante angustiante para todos os lados porque de acordo com as pesquisas, não se sabia quem poderia vencer nessa disputa, se era o sim (a favor da independência) ou o não, já que ambas as posições estavam bastante parelhas nas opiniões dos escoceses.

Muito se discutia a viabilidade ou não de uma Escócia independente. Questões práticas sobre a governação cotidiana e da geopolítica internacional foram levantadas: será que a União Europeia aceitaria o país rapidamente, dando exemplo indesejado a regiões separatistas na Europa, como Catalunha, Veneza e Valônia? Usariam a libra esterlina como moeda, o euro ou alguma moeda própria? E a segurança, ficaria o país vulnerável a um ataque terrorista?

Com o resultado sendo o “não”, o Reino Unido – ao menos por ora – permanece unido e a monarquia britânica com as suas possessões intactas. Mas o que realmente estava em jogo no referendo escocês era além dos prejuízos ou vantagens econômicas e políticas de uma possível independência escocesa, mas sim mostra um momento em que o conceito de Estado-Nação está sendo questionado.

Criado em fins de século XVIII com o advento da Revolução Francesa, o conceito de um Estado que está acima das juridições locais das comunidades, substituindo-as por normas dadas por um Estado centralizador. Bastante diferente do que ocorreu durante a Idade Moderna (séculos XV-XVIII), onde o modelo principal de governação era o das monarquias compósitas, onde os reis não tinham o poder centralizado em suas mãos, mas tinham que respeitar os poderes e instituições locais das comunidades que estavam sob a coroa. 

A função do rei era principalmente fazer com que a lei e a justiça local, muitas vezes vindas de tradições seculares das comunidades, fossem respeitadas, e essa era a condição para que fosse admitido que o monarca reinasse. Ou seja, nas monarquias da Idade Moderna, havia dentro de um reino uma pluralidade de jurisdições, leis e ordenações, muitas vezes contraditória entre si, que o monarca tinha que manter caso quisesse se manter no poder sem revoltas instigadas pela nobreza e o povo, que viam na violação dessas leis uma ameaça às suas liberdades (no sentido que a palavra tinha na Idade Moderna, que não era a liberdade individual, mas sim da comunidade) e privilégios.
Catalães apoiando independência escocesa

Com a criação do Estado-Nação, todo esse corpo de jurisdições locais será suprimido pela afirmação cada vez mais evidente do poder central, que agora não tem mais o papel de manter e legitimar as leis e hierarquias locais, mas sim legislar e administrar o país acima dos particularismos. Com a destruição lenta, e não sem grandes conflitos, das leis particulares de cada localidade, os novos Estados-Nações puderam criar a Constituição, que torna as leis válidas para todas as partes do território.

Esse processo coincidiu com a ascensão do liberalismo como ideologia política e uma variante do capitalismo, o que foi fundamental no avanço desse processo na medida em que para o liberal, a liberdade individual está acima da comunidade, dessa forma, os homens devem se fazer representar como indivíduos, não como coletividade. 

Dessa forma, o novo Estado-Nação, ancorado no tripé do liberalismo político e econômico, além do individualismo (embora durante o século XIX e XX tal modelo será sempre contestado e esse Estado conhecerá outras variantes ), vai se consolidar como um Estado defensor da liberdade individual e da política como reflexo das escolhas dos governados através da representantes eleitos. Liberdade individual, centralização e representação são as palavras chave para entender o Estado-Nação moderno.

No século XX, o Estado-Nação liberal foi contestado por movimentos anarquistas, comunistas e fascistas, porém, nos dois últimos, a idéia de centralização do Estado foi canalizado para uma ideia antiliberal, ou seja, contra as liberdades individuais e econômicas em prol do totalitarismo, porém, tais modelos foram derrotados e entramos no século XXI com um predomínio quase que absoluto do Estado-Nação nos moldes liberais.

Os movimentos separatistas, sempre ativos durante o século XIX e XX, ganharam mais força no século XXI com a crise econômica de 2008, o que fez diversos países europeus a questionar o modelo político sobre qual estavam assentados, e também o seu modelo econômico. Com isso, o apelo das comunidades locais voltou a ser bastante forte por toda a Europa. Na Bélgica, Flamengos e Valões não chegam a um acordo para a organização do seu país, sendo a unidade mantida apenas pela pessoa do rei. Na Espanha, a Catalunha, após ser esmagada a sua tentativa de saída da coroa espanhola no século XVII, em 1640, em 1715 e nos anos 1930 por Franco, agora tem um movimento mais consistente do que nunca pela independência. O país Basco idem, além de Veneza, na Itália, onde em um plebiscito informal, a população em sua maioria aprovou a secessão.



O que está em jogo por toda a Europa agora é a preservação do conceito de Estado-Nação e além disso, o modelo econômico globalizado vigente. Com uma política e economia cada vez mais mundializadas e geopolicamente integradas, o apelo de retorno ao conceito de nação original, ou seja, o conjunto da comunidade local, nunca pareceu tão forte nesses últimos dois séculos, e o plebiscito escocês não encerrou essa página, apenas abriu as possibilidades de diversas regiões da Europa, e mesmo do mundo (Kosovo, Curdos, Chechênia, Tibet, entre outras) pedirem secessão de seus países sem haver conflitos pelas armas, mas sim através da vontade popular. Isso que estamos vendo é um processo de, além de mudanças políticas, transformações econômicas, pois o capitalismo como conhecemos hoje está também em mutação, além de seus fluxos de circulação econômica, modificações que essas secessões territoriais podem vir a acelerar 

Isso tem um potencial de em pouco tempo redefinir as fronteiras do mundo. Será interessante acompanhar no que essa abertura de uma caixa de Pandora aberta pelos escoceses, que os governos do mundo gostariam de manter fechada, irá resultar.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Cachaça: uma dose de história

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Os Bêbados, de José Malhoa (1907)

Bebida acompanhou a formação da nossa nacionalidade, cumprindo importante papel na economia colonial e provocando a primeira revolta no Brasil contra o domínio português. Mais tarde, se tornaria símbolo da pátria independente antes de ser vilipendiada e superar a rejeição dos que veem o que é brasileiro como sinônimo de atraso

Dirley Fernandes

Presente nos mapas dos navegantes europeus desde fins do século XV, o Brasil foi quase esquecido nas primeiras décadas do século XVI pela Coroa portuguesa, que não dispunha nem de gente suficiente no Reino para uma obra de colonização no vasto território d’além-mar. Com isso, a costa brasileira era visitada indistintamente por aventureiros – italianos, holandeses, franceses, espanhóis... – que se dedicavam à coleta de pau-brasil, sempre negociando com os índios. A partir da terceira década do século, no entanto, uma circunstância especial ajudaria a definir o futuro lusitano das terras do Brasil: a necessidade de produzir mais açúcar, que alcançava naquele momento o status de “ouro branco”.

O uso do açúcar, até fins do século XV restrito à nobreza, tinha se disseminado por toda a Europa e atingido novas classes a partir do sucesso de sua cultura na ilha da Madeira, iniciada na primeira metade do Quatrocentos. Mas Funchal, capital da ilha, era um porto de relativamente fácil acesso, no qual muitos comerciantes de todas as nacionalidades negociavam a doce mercadoria, e se tornara de difícil controle para a Coroa. Isso, em muitas oportunidades, levava a um descontrole no abastecimento que afetava as cotações do produto. Além disso, o terreno do arquipélago era pedregoso e as propriedades tinham tamanho limitado, o que dificultava a cultura mais extensiva da cana. Convinha buscar novas terras que se prestassem a produzir o açúcar que era usado ao natural ou em conservas que encantavam, sobretudo, os flamengos.

A busca por novas áreas para desenvolver a cultura da cana-de--açúcar foi um dos fatores que levaram a Coroa portuguesa a procurar um modelo de povoamento para o Brasil, que tinha, ao longo de toda a sua costa, as condições favoráveis para que a gramínea vicejasse: altas temperaturas, solos ricos e fartura de água. Regiões como São Vicente, Pernambuco e o Recôncavo Baiano são muito rapidamente ocupadas por engenhos e vastas plantações.

A expedição de Martim Afonso que aportou em 1531 no Brasil, como se sabe, trouxe mudas de cana e especialistas agrícolas. E, muito provavelmente, trouxe um dos primeiros alambiques do Novo Mundo, talvez um que já tivesse produzido aguardente de uva, mel ou cana nas Canárias, ponto de passagem da esquadra do fidalgo e provável origem das primeiras mu das de cana dessa primeira iniciativa organizada de produção canavieira em larga escala no Brasil.

Numa das três regiões citadas acima – mais provavelmente São Vicente , se levarmos em conta o caminho feito pela cachaça nas décadas seguintes –, o processo da destilação que os ibéricos aprenderam com os árabes produziu, pela primeira vez, a aguardente de cana no Brasil.


Naquele momento, nada diferenciava aquela aguardente de outros destilados de cana que surgiam em outros pontos da América – como o rum, na Nova Inglaterra e no Caribe – ou das ilhas do Atlântico – o grogue de Cabo Verde. A cachaça só ganharia seu nome definitivo – de origem espanhola – e sua especificidade alguns séculos depois.

Claro que essa origem foi mitifi cada em lendas como a do melado esquecido no fogo e depois escondido do feitor, que fermentou e, após evaporar, condensou-se no teto do engenho e gotejou, dando origem à denominação “pinga”. Pior ainda a potoca que afirma ser o termo “aguardente” advindo de uma suposta ardência do líquido em contato com as feridas nas costas do escravo vítima do látego, quando se sabe que a expressão latina aqua vitae era de largo uso em todo o mundo latino ainda no Império Romano.

De todo modo, a cachaça firmou-se muito rapidamente no gosto popular dos “negros da terra” (índios), africanos e portugueses de estirpe popular ou degredados que formaram os primeiros núcleos de povoamento nas terras brasileiras. Era barata, sendo feita com uma pequena parcela do caldo ou da rapadura derivados da cana farta nas grandes plantações, e de relativamente fácil produção. Enquanto os fidalgos se entregavam ao vinho e à bagaceira vindos do Reino, o populacho das três raças se consolava com a cachaça enquanto o Brasil ia se formando.

Para dar conta desse consumo, as dezenas de engenhos em volta da baía de Todos os Santos e os de Pernambuco produziam a sua jeribita. Mas uma cidade se tornava sinônimo de cachaça: Paraty. Ali, os vicentinos que, segundo a hipótese mais provável, começaram a produção de cachaça em meados do século XVI nas terras do chamado Engenho dos Erasmos, fincaram no fim desse mesmo século ou no início do seguinte os primeiros alambiques que fi zeram a glória da bebida, aperfeiçoando suas técni-cas de produção. O porto do qual os navios partiam para a África e para o Reino e tropeiros e colonizadores se internavam na direção das Minas chegaria a ter, no século XVIII, em torno de cem fábricas de cachaça em funcionamento.
cachaca1

Em Paraty, negros chegavam da África e eram desembarcados e levados para a engorda no saco de Mamanguá, enquanto os navios eram carregados de cachaça – o pagamento preferido dos comerciantes da Costa da Mina e de Angola. Naquele momento, os africanos haviam se tornado também grandes consumidores de cachaça – o único destilado que conheciam –, o que muito preocupava a Coroa portuguesa.

Acossada pela concorrência da cachaça no Brasil e na África, e com o apoio de senhores de engenho que veem a cana dos pequenos produtores desviada da função de matéria-prima do açúcar para a valorizada cachaça, Lisboa baixa em 13 de setembro de 1649, a proibição do fabrico do “vinho de mel” em todo o Brasil (em 1635, uma primeira lei nesse sentido não havia “pegado” e fora esquecida).

O protesto dos fazendeiros, sobretudo os da província do Rio de Janeiro, que abasteciam Angola de cachaça até por não conseguir competir com o açúcar de melhor qualidade de Pernambuco, é for-te e a Coroa responde retirando a proibição, aumentando taxações, tornando a proibir e estabelecendo diversos obstáculos e regulações. Em 1659, o comércio de aguarden-te sob qualquer forma, é vetado, gerando protestos que culminam com a chamada Revolta da Cachaça, em 1660, quando, liderados por fazendeiros da região de São Gonçalo, o povo do Rio de Janeiro depõe o governador, então em viagem a São Paulo, obrigando a Câmara a dar posse a outro fidalgo.

A rebelião é sufocada com certa facilidade, depois que os paulistas negam seu apoio aos revoltosos, e seu líder, o produtor de cachaça Jerônimo Barbalho, é enforcado. Mas a Coroa não apoia a decisão do governador Salvador Correa de Sá e Benevides. Ele acabaria sendo chamado de volta a Lisboa e processado, enquanto a produção da cachaça, para deleite de fazendeiros, comerciantes e do povo em geral, era liberada sem restrições, “a fim de evitar novos problemas”.


A primeira rebelião popular da nascente nacionalidade brasileira contra o domínio português de que se tem notícia prefaciou o papel de símbolo da nacionalidade com que a cachaça seria brindada ao longo dos séculos seguintes. Com a descoberta do ouro, a branquinha subiria a serra do Mar e encontraria seu território definitivo: as Minas Gerais.

A cachaça chegou às Minas com os tropeiros e bandeirantes, através do Caminho Velho, que já existia no fi m do século XVII e ligava Paraty a Guaratinguetá e, daí, à região aurífera da Vila Rica. Também subiu o rio São Francisco, com os baianos que se internaram no sertão rosiano. Em 1715, o governador da província, Brás Baltazar da Silveira, já dá início à perseguição ao líquido brasileiro, proibindo a construção de novos alambiques, sob a alegação de que a bebida “inquieta os negros” e causa “dano irreparável ao Real Ser-viço e à Fazenda” – pura reserva de mercado para os vinhos e bagaceiras do Reino. A lei é tão inócua quanto as anteriores e outras que se sucederão ao longo do século para deter o avanço dos alambiques, que vão se tornando parte do equipamento básico das fazendas mineiras.

Enquanto as minas escasseavam em fins do século XVIII, os alambiques se multiplicavam para desgosto da Coroa. Durante a Inconfidência, ela será usada para brindes, por exemplo, no banquete oferecido pelo Padre Toledo em outubro de 1788 após o batizado dos filhos de Alvarenga Peixoto e Bárbara Helio-dora – considerada a primeira reunião inconfidente na Comarca do Rio das Mortes, hoje Tiradentes.

A própria família de Tiradentes produzia – e produz – cachaça, no engenho Boa Vista, na atual cidade de Xavier Chaves. O padre Domingos da Silva Xavier, irmão do alferes, cuidava do alambique. Já no território da lenda, o último pedido do futuro mártir da nacionalidade basileira teria sido: “Molhem minha goela com cachaça da terra”.

A ligação lendária entre o alferes e a bebida faz todo o sentido dentro da construção dos símbolos da nacionalidade brasileira do século XIX, a reboque da Independência. Nesse período, a cachaça atinge seu ponto mais elevado como parte da vida nacional. Em 1863, são 150 os alambiques em funcionamento apenas em Paraty, fornecendo, inclusive, para o Palácio Imperial, onde a preferência do conde d’Eu – que se casaria com a princesa Isabel no ano seguinte – seria glosada, mais tarde, por Oswald de Andrade: “No baile da Corte/ Foi o Conde d’Eu quem disse/ Pra Dona Benvinda/ Que farinha de Surui, Pinga de Paraty e fumo de Baependi/ É comê, bebê, pitá e caí.”

Recebida em palácio e cantada pelos nobres, tal era o prestígio da cachaça naquele século que foi admitida até nas cerimônias religiosas, como atesta o Baile da Aguardente, recolhido por Melo Morais Filho e mencionado por Câmara Cascudo no seu Prelúdio da cachaça. Segundo o folclorista, a penetração na religiosidade – a mais profunda das representações de um povo – comprova o elevado status que a cachaça atingiu naquele momento.

Mas a segunda metade daquele século testemunharia a ascensão da burguesia e, com ela, aquilo que Nelson Werneck Sodré denominou a “ideologia do colonialismo” – a afinidade entre a burguesia nascente brasileira e a europeia, com a subordinação material e cultural da primeira pela segunda. O mais divulgado dos “preconceitos justificatórios” difundidos por essa ideologia, vulgarizado no período, é o da superioridade racial das raças europeias, particularmente nórdicas, sobre os de outras raças, especialmente negros e indígenas.


A prosódia brasileira é rejeitada – nos teatros, adota-se o modo de falar lisboeta –, e os burgueses brasileiros são os mais numerosos assinantes da Revue des Deux Mondes fora da França. E ganha espaço a ideia de um Brasil “civilizado” (o litorâneo, de pretensões cosmopolitas) em oposição ao atrasado – o interiorano, território do índio, do cabra e da cachaça.

Estreitamente ligada à história da escravidão, a cachaça é rejeitada como bebida de negro, de caboclo (os índios desgarrados que iam para a cidade em condição de miséria), de cabra (o trabalhador do canavial nordestino). Mas, como diz Câmara Cascudo, ela asseguraria sua sobrevivência, “ficando com o povo”.

E é nessa condição que ela aparece em mais um episódio da história brasileira. Numa noite de novembro de 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues tenta embarcar no navio Minas Gerais com duas garrafas da branquinha. Um ato de indisciplina, por certo, repreendido por um cabo enérgico, que apreende as garrafas. Marcelino reage a navalha, mas é preso e recebe, como punição, 250 chibatadas – dez vezes mais do que era o disposto pelo regulamento.

O episódio precipitou a longamente planejada Revolta da Chibata, imortalizada na canção de João Bosco e Aldir Blanc Mestre-sala dos mares. A letra genial de Aldir homenageia o líder do movimento que pretendia acabar com os castigos físicos na Marinha brasileira: João Cândido. Filho de escravos, o marujo comandou os quatro encouraçados que ameaçaram bombardear a capital da recém-instituída República caso suas reivindicações não fossem aceitas. Seis anos antes, o “almirante negro” tinha recebido também uma punição por levar cachaça a bordo: suspensão do soldo.

A cachaça era o consolo para a vida dura daqueles homens para quem a abolição, a República e a cidadania não haviam chegado de todo. E, assim ela atravessou o século XX: como a amiga do povo, cantada pelos poetas populares e rejeitada por aqueles que viam no que era mais profundamente brasileiro o sinal do atraso.

Mas mesmo esses setores acabam, no fi m do século, por se sentirem ultrapassados diante da vitória retumbante da cachaça, sobrevivente às perseguições seculares e entronizada como símbolo nacional. A bebida se valoriza, ganha qualidade, aprimora suas técnicas de envelhecimento, e seu consumo começa a não ser visto mais como coisa da “ralé”.

No século XXI, o Brasil e o que seja brasileiro entram na moda e a cachaça vai junto, ocupando cada vez mais espaços. Agora, testemunha-se a chegada dos grandes grupos multinacionais (a Diageo, com a compra da Ypióca, e a Campari, com a aquisição da Sagatiba) que almejam, junto com empresários nacionais e o governo brasileiro, agora de todo convencidos dos valores da bebida, levá-la a outro patamar, abrindo um novo capítulo nessa história que se confunde com a da superação e resistência do povo brasileiro: a de potência mundial.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Estudioso Reconstrói Capitanias Hereditárias e Afirma que Livros Escolares Estão Errados

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o engenheiro Jorge Cintra fez uma descoberta que pode mudar os livros escolares. Em um artigo recente, ele contesta o mapa das Capitanias Hereditárias eternizado por Francisco Adolfo de Varnhagen, considerado o pai da historiografia nacional, e propõe mudanças significativas no seu desenho. A partir de documentos da época, Cintra, que leciona na Escola Politécnica da USP, conseguiu reconstruir com maior exatidão os limites das porções de terra doadas, entre 1534 e 1536, pela Coroa Portuguesa a comerciantes e nobres lusitanos.

Mapa da divisão territorial das Capitanias Hereditárias feito por Jorge Cintra

A técnica evoluiu muito, os instrumentos de medição também. Para a cartografia, isso proporciona maior rigor na obtenção de resultados. E, sobretudo, acho que o professor Cintra, por ser engenheiro, teve uma exatidão que talvez um historiador não tivesse. O grande mérito dele foi ter verificado um erro de base, um erro de interpretação - elogia o geógrafo Jurandyr Ross, responsável por romper um paradigma semelhante ao propor uma nova classificação para o relevo brasileiro.


- Coloquei tudo em dúvida. Descobri um erro ao Sul e resolvi conferir todo o resto. Logo percebi que, de fato, o Norte não estava bem resolvido. Havia capitanias finas demais, era uma incógnita - explica.O sistema de Capitanias Hereditárias, que já havia sido utilizado com relativo sucesso na África, dividiu o território em 15 partes e pretendia viabilizar a exploração das riquezas do “Novo Mundo”. As terras tinham como limites o Oceano Atlântico, a Leste, e o Tratado de Tordesilhas, a Oeste. Após recuperar, analisar minuciosamente as cartas de doação e de notar detalhes que passaram despercebidos por Varnhagen em mapas da época, Cintra assegura que, no Norte, a divisão das fronteiras não foi feita de acordo com paralelos, e sim através de meridianos.


De fato, as fronteiras que constam no mapa do Atlas Histórico Escolar do MEC, desenhado por Manoel Maurício de Albuquerque sob forte influência das definições de Varnhagen, mostram territórios extremamente estreitos no Norte. Para Cintra, frases contidas nos documentos de doação são as chaves para a solução do problema. Por exemplo, o documento destinado a Antonio de Cardoso de Barros diz: “As quais quarenta léguas se estenderão e serão de largo ao longo da costa e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme adentro”.

- Se as divisas fossem para Oeste, o rei estaria doando um pedaço de mar. Isso é pouco lógico. Ora, o único jeito de se entrar sertão adentro é em direção ao Sul - sustenta.
Na mesma carta, há também uma cláusula de conflito. Ela previne a possibilidade de altercação sobre as limitações das divisas com os capitães vizinhos.

Mapa tradicional das Capitanias Hereditárias, como
               constam nos livros didáticos

- Essa cláusula de compatibilidade não existe em nenhuma outra carta de doação. Como poderia haver conflito se as linhas fossem todas paralelas? - sentencia.
Finalmente, Cintra se valeu de uma observação sagaz do mapa de Bartolomeu Velho, de 1561. Nele, apesar de não haver divisas desenhadas, os nomes das capitanias ao Norte estão escritos em blocos separados de acordo com linhas imaginárias verticais.
- Se a divisão fosse horizontal como se pensava, o autor não precisaria “quebrar o texto” em duas ou três linhas e nem valer-se de abreviações. Ele poderia escrevê-los por extenso na mesma linha - pontua.

Além disso, no novo desenho proposto por Cintra, existem terras não distribuídas no Norte. Segundo o pesquisador, elas ficaram de fora das doações realizadas pela Coroa. Três capitanias — Maranhão, Rio Grande do Norte e São Vicente — também foram divididas em lotes. Por fim, o primeiro lote de São Vicente também teve divisas modificadas.
Para Cintra, o mapa de Varnhagen tem incorreções, pois o estudioso, em “História Geral do Brasil” (1854), recorreu a um desenho de Luis Teixeira onde as capitanias são representadas em 1586, mais de 50 anos após o início da divisão. Nele, a situação já não era mais a mesma. Por isso, o professor ressalta a importância de se duvidar de concepções tidas como definitivas:

- O artigo mostra uma coisa importante: até um entendimento que já vem de 160 anos pode ser derrubado. Ele deixa essa mensagem. Devemos colocar em dúvida outras coisas. Precisamos olhar novamente para os documentos cartográficos, voltar às fontes. Podemos ir mais fundo nos problemas.
Para Jurandyr Ross, que participou da banca de admissão de Cintra na Escola Politécnica, a descoberta é importante para o ensino de História no Brasil.

- O artigo me surpreendeu muito e causará um impacto significante para os livros escolares, que precisão corrigir esses mapas logo. Vamos ensinar uma História cada vez melhor - empolga-se.
Renato Franco, professor da disciplina Brasil Colonial no Departamento de História da UFF, elogia o artigo, mas não vê grandes mudanças na maneira com que o período pode ser enxergado pelos estudiosos do assunto.

Francisco Adolfo de Varnhagen

- O texto é muito interessante. No entanto, não traz grandes impactos para a História do Brasil Colonial. Embora tenha sido completamente extinto apenas no século XVIII, o sistema de Capitanias Hereditárias rapidamente perdeu a força diante do desinteresse de boa parte dos donatários e do assédio de outras potências. Em 1549, a Coroa portuguesa mudou de estratégia e, progressivamente, as Capitanias Hereditárias foram perdendo força como forma de organização político-administrativa. O grande mérito do artigo é propor uma discussão sobre as eventuais imprecisões cartográficas, mas muda pouco no que diz respeito à nossa forma de enxergar a História do Brasil Colonial como um todo - opina.

Cintra concorda com Franco. Para ele, o período já “foi muito bem estudado” pelos profissionais brasileiros. Sobre a alteração dos livros escolares, diz não ter muita pressa. O cartógrafo explica que no meio científico, assim como na própria História, as coisas costumam levar tempo para serem completamente aceitas e solidificadas.
- A comunidade científica tem que ter calma. O primeiro reconhecimento foi ter sido publicado por uma revista de qualidade (“Anais do Museu Paulista”, da USP). Significa que revisores e editores de lá puseram a mão no fogo pelo meu trabalho. A partir daí, cada autor de livro didático tem que tomar conhecimento do artigo e se convencer dele. Então, vai começar a fase de transição - finaliza.

Fonte: O Globo

sábado, 5 de julho de 2014

O Assassino Ardiloso de Sarajevo

*Por Tim Butcher

Numerosas inverdades tem persistido sobre Gravilo Princip, o homem que matou o arquiduque Francisco Ferdinando. Um deles foi usado pela Áustria-Hungria como base para sua declaração de guerra contra a Sérvia em 1914 


Assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando:
estopim para o início da guerra


Nenhum outro assassino, talvez se argumente, teve um maior impacto na história mundial que Gravilo Princip, o terrorista que desencadeou a 1ª Guerra Mundial ao matar o arquiduque Francisco Ferdinando in Sarajevo em 28 de Julho de 1914. Mas eu também sustentaria que nenhum outro assassino tem tido sua história tão mutilada ao ser recontada.
Foi-nos dito pelos historiadores, alguns dos quais que publicaram no período que antecedeu o centenário da 1ª Guerra Mundial, que: Princip pulou no estribo da limusine do arquiduque para lhe dar o tiro; que a esposa do arquiduque estava grávida quando ela morreu no tiroteio; que o assassinato ocorreu no aniversário de casamento dos arquiduques; que o carro não tinha marcha-ré, então, era incapaz de corrigir o erro do motorista que facilitou a ação do assassino; o arquiduque corajosamente pegou a granada atirada anteriormente no casal e jogou-a longe com indiferença; e Princip parou de comer um sanduíche em um café de esquina antes de aparecer para dar o tiro.

Todos esses detalhes e muitos outros publicados durante o último século são inverdades fantasiosas, superficiais e sem sentido. Talvez Napoleão estivesse certo quando observou que a história não é nada além das mentiras que não são mais disputadas. O mais escandaloso erro é a famosa foto que intenciona mostrar Princip sendo empurrado pela guarda austro-húngara momentos após o ataque.

Gravilo Princip: assassino dos herdeiros do
 trono da Áustria-Hungria


Tem sido usado ad nauseam por anos e, triste de ver, ilustra a capa de uma nova História de Cambridge da crise de Julho. O problema é que ela não mostra Princip. Ela mostra outro homem, um espectador inocente chamado Ferdinand Behr, sendo levado para interrogatório. Quando Behr escreveu uma declaração em 1935, que as contemporâneas autoridades do Wikipedia fariam bem em ler, ele estava sempre surpreso pela trapalhada, pois ele tinha mais de 1,82 metros, e tinha corpo forte, difícil de confundir com o muito mais magro e baixo Princip.

É justo dizer que Princip, um filho de camponês da parte mais remota da Herzegóvina, nasceu em um período que a Bósnia-Herzegóvina era uma parte distante do império Austro-Húngaro, não é o mais fácil personagem histórico de se estudar. Eu gastei os últimos três anos pesquisando-o e descobri que mesmo sua data de nascimento era difícil de se estabelecer. As autoridades da Igreja em Obljaj, a pobre e suja aldeia em que ele nasceu, escreveu nos registros paroquiais 13 de Julho de 1894. Eles, como a família de Princip, eram cristãos ortodoxos, uma identidade que, no vernacular da classificação étnica moderna, os torna bósnios sérvios, e eles escreviam em cirílico. Um segundo registro, dessa vez feita pelas autoridades municipais, mais confortáveis com a escrita latina dos ocupantes Habsburgo, escreveram 13 de Junho de 1894. Para um leitor que não lê cirílico, Julho e Junho são facilmente confundíveis.

A diferença não era de grande significado até o assassinato. Princip, preso dentro de segundos, poderia somente encarar a sentença de morte dentro da lei Austro-Húngara se ele tivesse 20 anos ou mais. Se seu aniversário fosse em Julho, ele não encararia nada mais grave do que a cadeia. Se no início de Junho, poderia ser enforcado.

Velório do arquiduque Francisco Ferdinando e de 
sua esposa, arquiduquesa Sofia


Com as melhores mentes legais do período disponíveis focando a questão, todas as vias foram exploradas. Eu achei, em um arquivo mal preservado no Arquivo Nacional em Sarajevo, um pedaço de papel com cálculos convertendo as datas do calendário Juliano, que era rotineiramente usado pelos sérvios locais e que possuía duas semanas de diferença do calendário Gregoriano.

Os promotores Habsburgos queriam ter certeza que o acusado não escapasse da pena de morte, se ele realmente tivesse 20 anos no dia do tiro. No fim, uma data de nascimento de 13 de Julho de 1894 foi aceita pela corte e Princip foi preso por 20 anos. Ele morreu na prisão de tuberculose óssea em Abril de 1918, uns poucos meses antes do fim da guerra que suas ações precipitaram.

Então, pesquisando os arquivos de Viena, Sarajevo, Belgrado e Istambul, cada detalhe sobre Princip tinha que ser manuseado com cuidado. Incrivelmente, eu achei itens perdido por outros: gravite deixado por Princip em 1909, sua aparição no censo Habsburgo de 1910 e, o mais excitante para mim, seus registros da escola secundária. Ele não era obstinado, mas reflexivo em seu lento e deliberado caminhar em direção ao radicalismo. Esperto, acadêmico e disciplinado, os registros o mostram saindo fora dos trilhos e nas mãos dos revolucionários.

Arquiduque Francisco Ferdinando e 
arquiduquesa Sofia


A mais importante descoberta histórica foi que não havia evidência para apoiar a acusação de Viena que Princip era um agente da Sérvia, as bases dadas em Julho de 1914 par aa declaração de guerra por parte da Áustria-Hungria à sua pequena e turbulenta vizinha. Isso foi o ato estratégico chave que arrastou as grandes potências para quatro anos de carnificina nas trincheiras, um multiplicador que tornou um assassinato localizado nos Bálcãs em um conflito global.

Ainda não restam bases confiáveis nos registros históricos para justificar as acusações de Viena. Princip passou uns poucos meses em Belgrado, capital da Sérvia, e lá ele encontrou nacionalistas extremistas, que o ajudaram a se armar e o mandaram de volta para Sarajevo de forma clandestina. Disso não se segue que esses extremistas eram apoiados, autorizados ou mesmo conhecidos pelo governo sérvio.

O ataque de Viena à Sérvia tinha tanta legitimidade quanto uma declaração de guerra pela Inglaterra à Irlanda em retalhação ao assassinato de Louis Mountbatten em 1979 por nacionalistas irlandeses. A melhor evidência nos registros mostram Princip não com um nacionalista sérvio, mas como um nacionalista eslavo, comprometido em libertar todos os locais, conhecido como Eslavos do Sul, sejam eles croatas, muçulmanos, eslovenos ou sérvios, então, sob o controle de um ocupante estrangeiro, a Áustria.

Isso é uma diferença importante que mina completamente a posição dos falcões de Viena de que um ataque em Belgrado fosse uma retalhação justificada por um complô sérvio para matar o arquiduque. Ainda, somente com uma fotografia incorreta da prisão, historiadores tem frequentemente repetido essa acusação infundada para retratar Princip como um agente de Belgrado.

Francisco José: imperador da  Áustria-Hungria 
que governou de 1848 à 1916


Wilfred Owen escreveu sobre a invocação patriótica dulce et decorum est pro patria mori como “a velha mentira”, mas eu vejo uma mentira ainda maior que desencadeou a 1ª Guerra Mundial. É a mentira usada por Viena em sua deliberada deturpação do assassinato de Sarajevo e seu papel no mais incompreendido assassinato da história.


Tim Butcher é o autor do The Trigger: Hunting the Assassin who Brought the World to War, publicado por Chatto & Windus

Artigo traduzido do revista History Today

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Cotas raciais e o racismo do movimento de negros




Um dos debates sociais mais importantes da contemporaneidade brasileira é a questão do acesso à universidade por parte das populações menos favorecidas, que são em sua maioria os negros, pois estão em uma situação de clara desvantagem em relação a outras etnias, principalmente os brancos, quando se trata em educação universitária.

Necessário é garantir a oportunidade das diversas etnias de terem acesso à universidade, de forma democrática e republicana no sentido de res publica, que significa “cuidado com a coisa pública”.
Os movimentos negros desde o fim dos anos 1980, vendo a disparidade de negros na universidade, pedem por cotas raciais para permitir o ingresso dos negros nas universidade, que aos seus olhos, era em si um local elitista, racista, e que com uma “meritocracia injusta” nas palavras do frei David, impedia o acesso ao negro. Portanto, urgia facilitar o acesso do negro ao ensino universitário através das cotas, que repararia a opressão que o negro sofreu durante séculos de escravização e marginalização social na sociedade brasileira. Propõe políticas públicas artificiais para solucionar o problema, clamando a intervenção do Estado na questão.

Cabe matizarmos essa argumentação acima. Primeiramente, devemos pensar no papel da universidade na sociedade. Ela, primeiramente, tem o papel de desenvolver a pesquisa científica em diversos ramos do conhecimento social para o desenvolvimento em diversos ramos de toda uma comunidade. Para que essa tarefa se realize, é necessário que a universidade recrute para seus quadros pessoas que possuem pré-requisito educacional e intelectual para desenvolver tais pesquisas. Por isso ela necessariamente tem que ter um caráter meritocrático em sua admissão. Portanto, deve passar ao largo de questões étnicas-raciais da sociedade, e não deve ser local de compensações de supostas “dividas históricas”.

Nesta questão, a universidade cumpre seu papel meritocrático isento de qualquer critério outro que não seja o conhecimento adquirido pelos pleiteantes à vaga universitária com o vestibular, que é impessoal e não questiona a etnia ou procedência da pessoa que o presta, apenas deseja saber se o pré-requisito do conhecimento adquirido está de acordo com o que a universidade exige.

Isso não significa estar a universidade descolada do que ocorre ao seu redor, como um ser que paira acima da sociedade. Ao contrário, ela etá completamente integrada na questão social quando olhamos o resultado, a questão de quem está dentro da universidade pública. Ao olharmos, vemos que as pessoas que conseguiram nela entrar em sua maior parte são pessoas que tiveram a possibilidade de pagar por uma educação de qualidade. Isso mostra que o Estado não cumpre bem o seu papel fundamental na educação, pois mesmo pagando os mais altos impostos do mundo, quem deseja ter uma educação de qualidade, tem que pagar uma escola particular para obtê-la.

Portanto, se percebe que o problema fundamental está na relação que o Estado e a sociedade tem com a educação de base. Em um país onde mais de 70% dos alunos concluem o ensino médio sendo analfabetos funcionais, e por volta de 50% dos universitários também o são, estando ranqueado entre os últimos em qualidade educacional no mundo, está muito claro que a questão maior não é a universidade, mas sim o ensino básico deficiente ofertado pelo governo para a maior parte da população, que não fornece os pré-requisitos intelectuais necessários para possibilitar autonomia ao indivíduo.

Como o governo é especialista em quebrar a perna do cidadão, e depois oferecer muletas argumentando que “sem mim você não andaria”, para ele é interessante não resolver uma questão espinhosa e pouco eleitoreira que é a educação para dizer que solucionará o problema do acesso à universidade fornecendo cotas, o que sem dúvida é uma medida de mais impacto imediatista, marketeira e eleitoreira. E para isso, é mais positivo incentivar pautas do movimento negro, que tem em suas lideranças pessoas ávidas por estar dentro da estrutura do Estado para poder influenciar políticas públicas. Então, o problema passa a ser maior do que cotas ou não cotas. A questão que deve nortear esse debate é a atuação do Estado dentro da educação e de grupos do movimento negro que promovem a política de cotas como instrumento de poder para alcançar influência dentro do Estado.

Para isso, temos que analisar uma questão fundamental: quem são os maiores financiadores das ONG s de movimento negro mais eminentes? Essas ONGs em sua grande parte tem um forte financiamento estatal. Agora se perguntem, o Estado daria dinheiro para esses grupos se sua política não interessasse à ele? Claro que não.

O Estado financia certas lideranças e grupos e os favorece para a implementação de pautas como cotas porque com isso obterá três vantagens:
1- dará a impressão que está interessada nos negros como agentes políticos
2- desviará o foco da educação básica
3- incentivará a estereotipagem inversa da identidade do “negro”.

Essa estereotipagem inversa da identidade do negro significa que o negro que quiser ser considerado negro de fato terá que apoiar as pautas desses movimentos afirmativos, que dizem lutar por todos os negros, que se auto intitulam representantes de toda uma raça. Mas como uma raça é composta de indivíduos diferenciados, com valores e pensamentos diversos,m devemos entender que é necessário uma seleção do que é ser “bom” ou “mal” negro para esses grupos passa a moldar essa identidade. 

Para essa gente, claro, só pode ser bom o negro que está “em luta”, e apenas luta o bom combate aqueles que lutam as guerras que esse movimento decide que devem ser guerreadas, se discorda das pautas do movimento negro, como as cotas, esse negro é chamado de “negro de alma branca”, o que significa estar vendido ao outro lado, ou seja, só pode ser alienado, ou mal intencionado. O movimento negro cumpre o papel de capitão-do-mato do próprio negro, ao tirar a liberdade do negro de ser um indivíduo autônomo que pensa por si e chega as suas próprias conclusões. Ou se pensa por sua cartilha ou é menos do que humano, digno de desprezo.

Por isso é equivocado chamar esse movimento de “movimento negro”, pois esse título tem a intenção de dizer que as lideranças do movimento negro devem monopolizar e dirigir todo o pensamento dos negros, sem haver possibilidade de discordância. Esse movimento deve sim ser chamado de “movimento de negros”, pois apenas alguns negros que compartilham de suas ideias e se associam voluntariamente à eles, ou seja, não representando todos os negros, apenas aqueles que se associam ou se simpatizam com suas ideias. Por isso a partir de agora, chamarei esse movimento de “movimento de negros”.

Camiseta 4P (Poder Para o Povo Preto):
racismo simbólico que põe a raça acima
 da cidadania


Claramente esses movimentos de negros tem uma pauta de poder. As camisetas 4P (poder para o povo preto) não são por acaso. Desejam dominar as estruturas do Estado para que possam realizar seus intentos. Iludidos com o poder do Leviatã, do Estado onipotente que tudo pode com apenas uma canetada, sonham em dirigir a sociedade, achando-se capazes de poder comandar através de suas estruturas todo o corpo social, apostando na tática de dividir para dominar, apostando em um confronto racial, uma versão racialista da luta de classes marxista, pregando muitas vezes o ódio racial inverso ou a punição à “negros dissidentes”, versão repaginada dos “negros fujões” das plantations da era colonial. Exemplo disso é quando a ex-ministra da igualdade racial, Matilde Ribeiro, disse em uma entrevista à BBC, considera natural à discriminação de negros contra brancos ao dizer que  A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.”


Mas a ministra se esquece de que a esmagadora maioria dos brancos de hoje não tiveram um passado de escravização dos negros. Grande parte dos brancos de hoje vieram de famílias imigrantes, que chegaram aqui em uma situação de penúria e estavam quase tão mal socialmente quanto os negros. E o que dizer dos japoneses, que chegaram aqui extremamente discriminados e conseguiram se tornar um grupo bastante representativo na sociedade brasileira, sendo apenas 5% da população e 30% dos estudantes das melhores universidades do país? E dos judeus que, discriminados durante toda a historia europeia, foram sempre os mais ricos e eminentes comerciantes da Europa moderna e contemporânea, sendo o povo com o maiores número de nobel no mundo, com 3% da população? Esses brancos açoitaram quem? Será que também, como os negros, não foram açoitados, mas se sobressaíram depois?

Além da fala racista da ministra, há demonstrações claras de que o movimento de negros em sua maioria busca um revanchismo contra os brancos, tendo um discurso de incentivo à vingança e o ódio. Exemplo claro é o vídeo “cotas, essa conversa não é sobre você”, que discrimina os brancos, ao, primeiro, querer impedir os brancos de participar do debate público sobre cotas, um assunto que os afeta diretamente, além de estereotipar todos os brancos como playboys ricos, sendo que a maioria dos pais de filhos brancos precisam trabalhar incessantemente para alcançar os sonhos de formar o filho e viver uma vida sem luxos para poder, quando pode, pagar uma escola digna ao sei filho, para ver os seus esforços frustrados por uma reserva de cotas racista e injusta em sua própria formulação.

Nesse vídeo, se vê uma fala que incentiva o revanchismo
por parte dos negros contra os brancos.

As perseguições racistas ao Joaquim Barbosa por contrariar os interesses do PT, aliado de longa data de diversos movimentos de negros, mostra bem como o negro que tem posições políticas diferentes do movimento negro deve ser tratado com desprezo, e mesmo sofrendo ataques racistas dos próprios negros. Quando durante o julgamento do mensalão o ministro do STF começou a sofrer ataques racistas sistemáticos, tendo sido chamado de “capitão do mato”, “negro traidor”, “negro ingrato”, não se viu nenhuma defesa do movimento de negros ao Joaquim. Ao contrário, vimos um deputado negro do PT dizer o seguinte: “Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão”.  Na lógica distorcida do deputado petista, o negro que Joaquim Barbosa chicoteou é nada mais nada menos do que... José Dirceu.

  
E onde estava a defesa dos movimentos de negros quando Heraldo Pereira, o primeiro negro a estar na bancada do Jornal Nacional, processou por uma injúria racista o jornalista Paulo Henrique Amorim, que chamou o jornalista da Globo de “negro de alma branca”? Defendendo o Paulo Henrique Amorim, com o argumento de que Paulo Henrique Amorim estava sendo oprimido e não era racista, mas Heraldo Pereira sim era racista, pois trabalhava na Globo. Então, para essa gente, o negro que trabalha na Globo não é negro, é apenas um ser que não vale nada e deve ser ofendido mesmo com ataques racistas. Vejam a entrevista no link abaixo e vejam como funciona a arte, por parte do movimento de negros, de transformar a vítima do racismo no culpado, e o autor do ato de racismo, a vítima da opressão.


Prova maior que o movimento de negros defendem apenas as suas pautas e os negros que as defendem e estão pouco se importando com o negro que as critica ou não se enquadra dentro dos padrões estabelecidos do que é ser negro na visão desses movimentos, foi quando um comerciante carioca foi acusado de racismo por vender a boneca negra mais barata do que a branca, como se o comerciante tivesse culpa de haver maior procura pelas bonecas brancas. Percebe-se que o movimento de negros está mais preocupado em defender bonecas do racismo que gente de carne e osso, se isso interessar suas políticas racialistas

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Sobre as cotas raciais, aonde as cotas foram implementadas, não deram certo. Fracassaram na Índia, Nigéria, e nos EUA. Fracassaram por um simples motivo, explicado por Mises, que diz que políticas públicas que buscam moldar uma sociedade frequentemente alcançam os resultados inversamente proporcionais aos que desejam. E Thomas Sowel completa, com o brilhantismo que lhe é habitual, que a idéia de que a cota é temporária e perdurará até a igualdade racial ser alcançada é impossível visto que nenhuma sociedade isso foi alcançado, portanto, as cotas tendem a ser uma política eterna (explicar as contradições da cota).

E essa política eterna interessa a certos grupos políticos, incluindo movimentos de negros, para manter o negro sob seu domínio ideológico, que busca uma política de busca do espaço do negro através da política de estratificação social, ganhando “feudos” para os negros, reservas de mercado e de posicionamentos que vão de encontro à meritocracia.

Como escapar dessa tentativa de dominação e haver uma verdadeira liberdade do negro? A única forma é construir uma sociedade meritocrática, onde o que vale é a capacidade individual de cada um, não quaisquer outros atributos, seja a etnia, a orientação sexual ou quaisquer outras coisas. Para isso poder começar a ser realizado, o negro e as minorias oprimidas não tem que exigir que o Estado as proteja com reservas de mercado ou leis que os beneficie, mas sim que o Estado cumpra o seu papel mínimo. A meritocracia social absoluta é impossível, pois há diversos fatores sociais e de nascimento que beneficiam uns e prejudicam outros, porém, possibilitar e incentivar a ascensão social pelo mérito individual é a base da construção de uma sociedade que os indivíduos sempre almejem a excelência.

Para que isso possa ser possível, é fundamental que se forneça de fato uma educação de qualidade à todos, permitindo uma igualdade de oportunidades tanto para o pobre quanto para o rico. Mas quem faz esse tipo de colocação é o cidadão. Tornar o negro igual ao branco socialmente é fazê-lo ver além da cor da pele, é fazê-lo ver que somente se posicionando como cidadão que exige igualdade perante à lei e que o Estado cumpra seu papel mínimo e o deixe livre para realizar seus próprios fins e objetivos é que haverá real emancipação do negro. Quando, como Morgan Freeman, nos recusarmos a comemorar dias da Consiciencia Negra e nos recusarmos a aceitar coisas abjetas como “hino à negritude” é que nos veremos como iguais. É quando o negro se torna não mais membro coletivo de uma etnia, mas sim cidadão.

A ciência provou que o conceito de raça, criado no século XIX, é um fato superado. Neguinho da Beija Flor, por exemplo, tem 70% de DNA branco, e um nazista declarado norte-americano possui 40% de DNA negro. Essa descoberta é um alivio, pois os maiores crimes do século XX se deram em nome de ideologias políticas, do Estado e em defesa de uma raça. Esses três elementos são os eixos basilares do movimento negro (falar do conceito de raça).

Por isso, o sonho do Martin Luther King, que deseja que um dia seus filhos sejam vistos não pela sua cor da pele, mas pelo seu caráter, é o real ideal que deve ser buscado em uma sociedade democrática e que não faz da sua especificidade étnica fronteiras a serem erguidas ou uma comunidade em conflito com outras por causa de sua cor da pele, mas sim experiências enriquecedoras e agregadoras para uma comunidade que aceite as diferenças dentro de limites éticos como uma riqueza social a ser cultivada.
Para finalizar a questão do quão nefasto é o racismo, mesmo com supostas boas intenções de reparação de uma dívida histórica, dois textos de Ayn Rand:

«Hoje, o racismo é considerado crime se praticado por uma maioria — mas um direito inalienável se praticado por uma minoria. A noção de que a cultura de alguém é superior a todas as outras porque representa as tradições de seus ancestrais é considerada chauvinismo se adotada por uma maioria — mas será chamada de orgulho “étnico” se adotada por uma minoria. A resistência à mudança e ao progresso é considerada reacionária se manifestada por uma maioria — mas regredir a uma aldeia dos Bálcãs, a uma tenda indígena ou à selva é aclamado se isso é expresso por uma minoria.»
«O racismo é a mais baixa, a mais cruelmente primitiva forma de coletivismo. É a noção de atribuir um significado moral, social ou político à linhagem genética de uma pessoa — a noção de que os traços intelectuais e de caráter de um indivíduo são produzidos e transmitidos pela química interna de seu corpo. O que quer dizer, na prática, que uma pessoa não deve ser julgada por seu próprio caráter e suas próprias ações, mas pelo caráter e pelas ações de uma coletividade de ancestrais.

O racismo alega que o conteúdo de uma mente humana (não seu aparato cognitivo, mas seu conteúdo) é herdado; que as convicções, valores e caráter são determinados antes que a pessoa nasça, por fatores físicos além do seu controle. Essa é a versão do homem das cavernas para a doutrina das idéias inatas — ou do conhecimento herdado — que foi completamente refutada pela filosofia e pela ciência. O racismo é uma doutrina de brutos, por brutos e para brutos. É uma versão de celeiro ou de fazenda de gado do coletivismo, apropriada para uma mentalidade que sabe a diferença entre as várias raças de animais, mas não a diferença entre animais e seres humanos.

Como todas as formas de determinismo, o racismo invalida o atributo específico que distingue o ser humano de todas as outras espécies vivas: sua capacidade racional. O racismo nega dois aspectos da vida humana: a razão e a escolha, ou a mente e a moralidade, substituindo-os pela predestinação química.»



Carta de Boas-Vindas

Olá a todos,

O blog Realidade e História tem como intenção do seu autor escrever sobre o cotidiano político, econômico e social desse país, além de historiografia, na visão de um historiador, sendo muitas vezes a minha opinião saindo do senso comum esperado por um historiador no Brasil, geralmente alinhado com pensamentos de esquerda como condição sine qua non para o exercício intelectual.
Nesse blog, além de quebrarmos o paradigma dominante do pensamento acadêmico de humanas brasileiro, terá como norte a manutenção da liberdade de expressão, condição fundamental para a prática livre da intelectualidade e tão ameaçada nos dias de hoje nesse país por forças políticas que buscam uma hegemonia e controle social de todo o espectro político. 

Clio, musa da História que escreve atentamente 
e incansavelmente sobre a realidade

Espero que o maior número possível de leitores entrem nessa página, seja para concordar ou discordar do que aqui é escrito, o importante é que o debate aconteça.
Para a imagem do blog foi escolhido o quadro de Diego Velasquez, A Rendição de Breda (1634-35), pois ela é bastante representativa de como a realidade e suas relações no espaço-tempo são construídas através da guerra e do combate, seja ele armado ou não, questão que voltarei em uma reflexão futura.
A escolha do cavalo negro no símbolo do blog é influência do cavalo do Apocalipse de cor preta, que carrega uma balança, quis simbolizar a questão da justiça, que é extremamente falha nesse país e em várias partes do mundo, o que causa diversas problemáticas no mundo, sejam sociais, econômicas e de escassez de víveres para muitas pessoas desse planeta.
Eis o trecho do Apocalipse que fala sobre o cavalo negro:

"E eu vi, e eis um cavalo preto; e o que estava sentado nele tinha uma balança na mão. E eu ouvi uma voz como que no meio das quatro criaturas viventes dizer: "Um litro de trigo por um denário, e três litros de cevada por um denário; e não faças dano ao azeite de oliveira e ao vinho."
Apocalipse 6:6

Com essa mensagem sombria, porém, otimista pela possibilidade de buscarmos justiça através do debate intelectual e ação em nossa realidade e tempo-espaço histórico, é que encerro essa mensagem de boas-vindas.

Abraço à todos os leitores, e sejam bem vindos.