Essa
semana, o fato político mais relevante a nível mundial
foi o referendo que ocorreu na Escócia, onde o povo iria
decidir se permanecia parte do Reino Unido ou se tornariam
independentes. A eleição foi especificamente bastante
angustiante para todos os lados porque de acordo com as pesquisas,
não se sabia quem poderia vencer nessa disputa, se era o sim
(a favor da independência) ou o não, já que ambas
as posições estavam bastante parelhas nas opiniões
dos escoceses.
Muito se
discutia a viabilidade ou não de uma Escócia
independente. Questões práticas sobre a governação
cotidiana e da geopolítica internacional foram levantadas:
será que a União Europeia aceitaria o país
rapidamente, dando exemplo indesejado a regiões separatistas
na Europa, como Catalunha, Veneza e Valônia? Usariam a libra
esterlina como moeda, o euro ou alguma moeda própria? E a
segurança, ficaria o país vulnerável a um ataque
terrorista?
Com o
resultado sendo o “não”, o Reino Unido – ao menos por
ora – permanece unido e a monarquia britânica com as suas
possessões intactas. Mas o que realmente estava em jogo no
referendo escocês era além dos prejuízos ou
vantagens econômicas e políticas de uma possível
independência escocesa, mas sim mostra um momento em que o
conceito de Estado-Nação está sendo questionado.
Criado
em fins de século XVIII com o advento da Revolução
Francesa, o conceito de um Estado que está acima das
juridições locais das comunidades, substituindo-as por
normas dadas por um Estado centralizador. Bastante diferente do que
ocorreu durante a Idade Moderna (séculos XV-XVIII), onde o
modelo principal de governação era o das monarquias
compósitas, onde os reis não tinham o poder
centralizado em suas mãos, mas tinham que respeitar os poderes
e instituições locais das comunidades que estavam sob a
coroa.
A função do rei era principalmente fazer com que
a lei e a justiça local, muitas vezes vindas de tradições
seculares das comunidades, fossem respeitadas, e essa era a condição
para que fosse admitido que o monarca reinasse. Ou seja, nas
monarquias da Idade Moderna, havia dentro de um reino uma pluralidade
de jurisdições, leis e ordenações, muitas
vezes contraditória entre si, que o monarca tinha que manter
caso quisesse se manter no poder sem revoltas instigadas pela nobreza
e o povo, que viam na violação dessas leis uma ameaça
às suas liberdades (no sentido que a palavra tinha na Idade
Moderna, que não era a liberdade individual, mas sim da
comunidade) e privilégios.
Catalães apoiando independência escocesa
Com a
criação do Estado-Nação, todo esse corpo
de jurisdições locais será suprimido pela
afirmação cada vez mais evidente do poder central, que
agora não tem mais o papel de manter e legitimar as leis e
hierarquias locais, mas sim legislar e administrar o país
acima dos particularismos. Com a destruição lenta, e
não sem grandes conflitos, das leis particulares de cada
localidade, os novos Estados-Nações puderam criar a
Constituição, que torna as leis válidas para
todas as partes do território.
Esse
processo coincidiu com a ascensão do liberalismo como
ideologia política e uma variante do capitalismo, o que foi
fundamental no avanço desse processo na medida em que para o
liberal, a liberdade individual está acima da comunidade,
dessa forma, os homens devem se fazer representar como indivíduos,
não como coletividade.
Dessa forma, o novo Estado-Nação,
ancorado no tripé do liberalismo político e econômico,
além do individualismo (embora durante o século XIX e
XX tal modelo será sempre contestado e esse Estado conhecerá
outras variantes ), vai se consolidar como um Estado defensor da
liberdade individual e da política como reflexo das escolhas
dos governados através da representantes eleitos. Liberdade
individual, centralização e representação
são as palavras chave para entender o Estado-Nação
moderno.
No
século XX, o Estado-Nação liberal foi contestado
por movimentos anarquistas, comunistas e fascistas, porém, nos
dois últimos, a idéia de centralização do
Estado foi canalizado para uma ideia antiliberal, ou seja, contra as
liberdades individuais e econômicas em prol do totalitarismo,
porém, tais modelos foram derrotados e entramos no século
XXI com um predomínio quase que absoluto do Estado-Nação
nos moldes liberais.
Os
movimentos separatistas, sempre ativos durante o século XIX e
XX, ganharam mais força no século XXI com a crise
econômica de 2008, o que fez diversos países europeus a
questionar o modelo político sobre qual estavam assentados, e
também o seu modelo econômico. Com isso, o apelo das
comunidades locais voltou a ser bastante forte por toda a Europa. Na
Bélgica, Flamengos e Valões não chegam a um
acordo para a organização do seu país, sendo a
unidade mantida apenas pela pessoa do rei. Na Espanha, a Catalunha,
após ser esmagada a sua tentativa de saída da coroa
espanhola no século XVII, em 1640, em 1715 e nos anos 1930 por
Franco, agora tem um movimento mais consistente do que nunca pela
independência. O país Basco idem, além de Veneza,
na Itália, onde em um plebiscito informal, a população em sua maioria aprovou a secessão.
O que
está em jogo por toda a Europa agora é a preservação
do conceito de Estado-Nação e além disso, o
modelo econômico globalizado vigente. Com uma política e
economia cada vez mais mundializadas e geopolicamente integradas, o
apelo de retorno ao conceito de nação original, ou
seja, o conjunto da comunidade local, nunca pareceu tão forte
nesses últimos dois séculos, e o plebiscito escocês
não encerrou essa página, apenas abriu as
possibilidades de diversas regiões da Europa, e mesmo do mundo
(Kosovo, Curdos, Chechênia, Tibet, entre outras) pedirem
secessão de seus países sem haver conflitos pelas
armas, mas sim através da vontade popular. Isso que estamos vendo é um processo de, além de mudanças políticas, transformações econômicas, pois o capitalismo como conhecemos hoje está também em mutação, além de seus fluxos de circulação econômica, modificações que essas secessões territoriais podem vir a acelerar
Isso tem um
potencial de em pouco tempo redefinir as fronteiras do mundo. Será
interessante acompanhar no que essa abertura de uma caixa de Pandora
aberta pelos escoceses, que os governos do mundo gostariam de manter
fechada, irá resultar.
Bebida acompanhou a formação da nossa nacionalidade, cumprindo importante papel na economia colonial e provocando a primeira revolta no Brasil contra o domínio português. Mais tarde, se tornaria símbolo da pátria independente antes de ser vilipendiada e superar a rejeição dos que veem o que é brasileiro como sinônimo de atraso
Dirley Fernandes
Presente nos mapas dos navegantes europeus desde fins do século XV, o Brasil foi quase esquecido nas primeiras décadas do século XVI pela Coroa portuguesa, que não dispunha nem de gente suficiente no Reino para uma obra de colonização no vasto território d’além-mar. Com isso, a costa brasileira era visitada indistintamente por aventureiros – italianos, holandeses, franceses, espanhóis... – que se dedicavam à coleta de pau-brasil, sempre negociando com os índios. A partir da terceira década do século, no entanto, uma circunstância especial ajudaria a definir o futuro lusitano das terras do Brasil: a necessidade de produzir mais açúcar, que alcançava naquele momento o status de “ouro branco”.
O uso do açúcar, até fins do século XV restrito à nobreza, tinha se disseminado por toda a Europa e atingido novas classes a partir do sucesso de sua cultura na ilha da Madeira, iniciada na primeira metade do Quatrocentos. Mas Funchal, capital da ilha, era um porto de relativamente fácil acesso, no qual muitos comerciantes de todas as nacionalidades negociavam a doce mercadoria, e se tornara de difícil controle para a Coroa. Isso, em muitas oportunidades, levava a um descontrole no abastecimento que afetava as cotações do produto. Além disso, o terreno do arquipélago era pedregoso e as propriedades tinham tamanho limitado, o que dificultava a cultura mais extensiva da cana. Convinha buscar novas terras que se prestassem a produzir o açúcar que era usado ao natural ou em conservas que encantavam, sobretudo, os flamengos.
A busca por novas áreas para desenvolver a cultura da cana-de--açúcar foi um dos fatores que levaram a Coroa portuguesa a procurar um modelo de povoamento para o Brasil, que tinha, ao longo de toda a sua costa, as condições favoráveis para que a gramínea vicejasse: altas temperaturas, solos ricos e fartura de água. Regiões como São Vicente, Pernambuco e o Recôncavo Baiano são muito rapidamente ocupadas por engenhos e vastas plantações.
A expedição de Martim Afonso que aportou em 1531 no Brasil, como se sabe, trouxe mudas de cana e especialistas agrícolas. E, muito provavelmente, trouxe um dos primeiros alambiques do Novo Mundo, talvez um que já tivesse produzido aguardente de uva, mel ou cana nas Canárias, ponto de passagem da esquadra do fidalgo e provável origem das primeiras mu das de cana dessa primeira iniciativa organizada de produção canavieira em larga escala no Brasil.
Numa das três regiões citadas acima – mais provavelmente São Vicente , se levarmos em conta o caminho feito pela cachaça nas décadas seguintes –, o processo da destilação que os ibéricos aprenderam com os árabes produziu, pela primeira vez, a aguardente de cana no Brasil.
Naquele momento, nada diferenciava aquela aguardente de outros destilados de cana que surgiam em outros pontos da América – como o rum, na Nova Inglaterra e no Caribe – ou das ilhas do Atlântico – o grogue de Cabo Verde. A cachaça só ganharia seu nome definitivo – de origem espanhola – e sua especificidade alguns séculos depois.
Claro que essa origem foi mitifi cada em lendas como a do melado esquecido no fogo e depois escondido do feitor, que fermentou e, após evaporar, condensou-se no teto do engenho e gotejou, dando origem à denominação “pinga”. Pior ainda a potoca que afirma ser o termo “aguardente” advindo de uma suposta ardência do líquido em contato com as feridas nas costas do escravo vítima do látego, quando se sabe que a expressão latina aqua vitae era de largo uso em todo o mundo latino ainda no Império Romano.
De todo modo, a cachaça firmou-se muito rapidamente no gosto popular dos “negros da terra” (índios), africanos e portugueses de estirpe popular ou degredados que formaram os primeiros núcleos de povoamento nas terras brasileiras. Era barata, sendo feita com uma pequena parcela do caldo ou da rapadura derivados da cana farta nas grandes plantações, e de relativamente fácil produção. Enquanto os fidalgos se entregavam ao vinho e à bagaceira vindos do Reino, o populacho das três raças se consolava com a cachaça enquanto o Brasil ia se formando.
Para dar conta desse consumo, as dezenas de engenhos em volta da baía de Todos os Santos e os de Pernambuco produziam a sua jeribita. Mas uma cidade se tornava sinônimo de cachaça: Paraty. Ali, os vicentinos que, segundo a hipótese mais provável, começaram a produção de cachaça em meados do século XVI nas terras do chamado Engenho dos Erasmos, fincaram no fim desse mesmo século ou no início do seguinte os primeiros alambiques que fi zeram a glória da bebida, aperfeiçoando suas técni-cas de produção. O porto do qual os navios partiam para a África e para o Reino e tropeiros e colonizadores se internavam na direção das Minas chegaria a ter, no século XVIII, em torno de cem fábricas de cachaça em funcionamento.
Em Paraty, negros chegavam da África e eram desembarcados e levados para a engorda no saco de Mamanguá, enquanto os navios eram carregados de cachaça – o pagamento preferido dos comerciantes da Costa da Mina e de Angola. Naquele momento, os africanos haviam se tornado também grandes consumidores de cachaça – o único destilado que conheciam –, o que muito preocupava a Coroa portuguesa.
Acossada pela concorrência da cachaça no Brasil e na África, e com o apoio de senhores de engenho que veem a cana dos pequenos produtores desviada da função de matéria-prima do açúcar para a valorizada cachaça, Lisboa baixa em 13 de setembro de 1649, a proibição do fabrico do “vinho de mel” em todo o Brasil (em 1635, uma primeira lei nesse sentido não havia “pegado” e fora esquecida).
O protesto dos fazendeiros, sobretudo os da província do Rio de Janeiro, que abasteciam Angola de cachaça até por não conseguir competir com o açúcar de melhor qualidade de Pernambuco, é for-te e a Coroa responde retirando a proibição, aumentando taxações, tornando a proibir e estabelecendo diversos obstáculos e regulações. Em 1659, o comércio de aguarden-te sob qualquer forma, é vetado, gerando protestos que culminam com a chamada Revolta da Cachaça, em 1660, quando, liderados por fazendeiros da região de São Gonçalo, o povo do Rio de Janeiro depõe o governador, então em viagem a São Paulo, obrigando a Câmara a dar posse a outro fidalgo.
A rebelião é sufocada com certa facilidade, depois que os paulistas negam seu apoio aos revoltosos, e seu líder, o produtor de cachaça Jerônimo Barbalho, é enforcado. Mas a Coroa não apoia a decisão do governador Salvador Correa de Sá e Benevides. Ele acabaria sendo chamado de volta a Lisboa e processado, enquanto a produção da cachaça, para deleite de fazendeiros, comerciantes e do povo em geral, era liberada sem restrições, “a fim de evitar novos problemas”.
A primeira rebelião popular da nascente nacionalidade brasileira contra o domínio português de que se tem notícia prefaciou o papel de símbolo da nacionalidade com que a cachaça seria brindada ao longo dos séculos seguintes. Com a descoberta do ouro, a branquinha subiria a serra do Mar e encontraria seu território definitivo: as Minas Gerais.
A cachaça chegou às Minas com os tropeiros e bandeirantes, através do Caminho Velho, que já existia no fi m do século XVII e ligava Paraty a Guaratinguetá e, daí, à região aurífera da Vila Rica. Também subiu o rio São Francisco, com os baianos que se internaram no sertão rosiano. Em 1715, o governador da província, Brás Baltazar da Silveira, já dá início à perseguição ao líquido brasileiro, proibindo a construção de novos alambiques, sob a alegação de que a bebida “inquieta os negros” e causa “dano irreparável ao Real Ser-viço e à Fazenda” – pura reserva de mercado para os vinhos e bagaceiras do Reino. A lei é tão inócua quanto as anteriores e outras que se sucederão ao longo do século para deter o avanço dos alambiques, que vão se tornando parte do equipamento básico das fazendas mineiras.
Enquanto as minas escasseavam em fins do século XVIII, os alambiques se multiplicavam para desgosto da Coroa. Durante a Inconfidência, ela será usada para brindes, por exemplo, no banquete oferecido pelo Padre Toledo em outubro de 1788 após o batizado dos filhos de Alvarenga Peixoto e Bárbara Helio-dora – considerada a primeira reunião inconfidente na Comarca do Rio das Mortes, hoje Tiradentes.
A própria família de Tiradentes produzia – e produz – cachaça, no engenho Boa Vista, na atual cidade de Xavier Chaves. O padre Domingos da Silva Xavier, irmão do alferes, cuidava do alambique. Já no território da lenda, o último pedido do futuro mártir da nacionalidade basileira teria sido: “Molhem minha goela com cachaça da terra”.
A ligação lendária entre o alferes e a bebida faz todo o sentido dentro da construção dos símbolos da nacionalidade brasileira do século XIX, a reboque da Independência. Nesse período, a cachaça atinge seu ponto mais elevado como parte da vida nacional. Em 1863, são 150 os alambiques em funcionamento apenas em Paraty, fornecendo, inclusive, para o Palácio Imperial, onde a preferência do conde d’Eu – que se casaria com a princesa Isabel no ano seguinte – seria glosada, mais tarde, por Oswald de Andrade: “No baile da Corte/ Foi o Conde d’Eu quem disse/ Pra Dona Benvinda/ Que farinha de Surui, Pinga de Paraty e fumo de Baependi/ É comê, bebê, pitá e caí.”
Recebida em palácio e cantada pelos nobres, tal era o prestígio da cachaça naquele século que foi admitida até nas cerimônias religiosas, como atesta o Baile da Aguardente, recolhido por Melo Morais Filho e mencionado por Câmara Cascudo no seu Prelúdio da cachaça. Segundo o folclorista, a penetração na religiosidade – a mais profunda das representações de um povo – comprova o elevado status que a cachaça atingiu naquele momento.
Mas a segunda metade daquele século testemunharia a ascensão da burguesia e, com ela, aquilo que Nelson Werneck Sodré denominou a “ideologia do colonialismo” – a afinidade entre a burguesia nascente brasileira e a europeia, com a subordinação material e cultural da primeira pela segunda. O mais divulgado dos “preconceitos justificatórios” difundidos por essa ideologia, vulgarizado no período, é o da superioridade racial das raças europeias, particularmente nórdicas, sobre os de outras raças, especialmente negros e indígenas.
A prosódia brasileira é rejeitada – nos teatros, adota-se o modo de falar lisboeta –, e os burgueses brasileiros são os mais numerosos assinantes da Revue des Deux Mondes fora da França. E ganha espaço a ideia de um Brasil “civilizado” (o litorâneo, de pretensões cosmopolitas) em oposição ao atrasado – o interiorano, território do índio, do cabra e da cachaça.
Estreitamente ligada à história da escravidão, a cachaça é rejeitada como bebida de negro, de caboclo (os índios desgarrados que iam para a cidade em condição de miséria), de cabra (o trabalhador do canavial nordestino). Mas, como diz Câmara Cascudo, ela asseguraria sua sobrevivência, “ficando com o povo”.
E é nessa condição que ela aparece em mais um episódio da história brasileira. Numa noite de novembro de 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues tenta embarcar no navio Minas Gerais com duas garrafas da branquinha. Um ato de indisciplina, por certo, repreendido por um cabo enérgico, que apreende as garrafas. Marcelino reage a navalha, mas é preso e recebe, como punição, 250 chibatadas – dez vezes mais do que era o disposto pelo regulamento.
O episódio precipitou a longamente planejada Revolta da Chibata, imortalizada na canção de João Bosco e Aldir Blanc Mestre-sala dos mares. A letra genial de Aldir homenageia o líder do movimento que pretendia acabar com os castigos físicos na Marinha brasileira: João Cândido. Filho de escravos, o marujo comandou os quatro encouraçados que ameaçaram bombardear a capital da recém-instituída República caso suas reivindicações não fossem aceitas. Seis anos antes, o “almirante negro” tinha recebido também uma punição por levar cachaça a bordo: suspensão do soldo.
A cachaça era o consolo para a vida dura daqueles homens para quem a abolição, a República e a cidadania não haviam chegado de todo. E, assim ela atravessou o século XX: como a amiga do povo, cantada pelos poetas populares e rejeitada por aqueles que viam no que era mais profundamente brasileiro o sinal do atraso.
Mas mesmo esses setores acabam, no fi m do século, por se sentirem ultrapassados diante da vitória retumbante da cachaça, sobrevivente às perseguições seculares e entronizada como símbolo nacional. A bebida se valoriza, ganha qualidade, aprimora suas técnicas de envelhecimento, e seu consumo começa a não ser visto mais como coisa da “ralé”.
No século XXI, o Brasil e o que seja brasileiro entram na moda e a cachaça vai junto, ocupando cada vez mais espaços. Agora, testemunha-se a chegada dos grandes grupos multinacionais (a Diageo, com a compra da Ypióca, e a Campari, com a aquisição da Sagatiba) que almejam, junto com empresários nacionais e o governo brasileiro, agora de todo convencidos dos valores da bebida, levá-la a outro patamar, abrindo um novo capítulo nessa história que se confunde com a da superação e resistência do povo brasileiro: a de potência mundial.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o engenheiro Jorge Cintra fez uma descoberta que pode mudar os livros escolares. Em um artigo recente, ele contesta o mapa das Capitanias Hereditárias eternizado por Francisco Adolfo de Varnhagen, considerado o pai da historiografia nacional, e propõe mudanças significativas no seu desenho. A partir de documentos da época, Cintra, que leciona na Escola Politécnica da USP, conseguiu reconstruir com maior exatidão os limites das porções de terra doadas, entre 1534 e 1536, pela Coroa Portuguesa a comerciantes e nobres lusitanos.
Mapa da divisão territorial das Capitanias Hereditárias feito por Jorge Cintra
A técnica evoluiu muito, os instrumentos de medição também. Para a cartografia, isso proporciona maior rigor na obtenção de resultados. E, sobretudo, acho que o professor Cintra, por ser engenheiro, teve uma exatidão que talvez um historiador não tivesse. O grande mérito dele foi ter verificado um erro de base, um erro de interpretação - elogia o geógrafo Jurandyr Ross, responsável por romper um paradigma semelhante ao propor uma nova classificação para o relevo brasileiro.
- Coloquei tudo em dúvida. Descobri um erro ao Sul e resolvi conferir todo o resto. Logo percebi que, de fato, o Norte não estava bem resolvido. Havia capitanias finas demais, era uma incógnita - explica.O sistema de Capitanias Hereditárias, que já havia sido utilizado com relativo sucesso na África, dividiu o território em 15 partes e pretendia viabilizar a exploração das riquezas do “Novo Mundo”. As terras tinham como limites o Oceano Atlântico, a Leste, e o Tratado de Tordesilhas, a Oeste. Após recuperar, analisar minuciosamente as cartas de doação e de notar detalhes que passaram despercebidos por Varnhagen em mapas da época, Cintra assegura que, no Norte, a divisão das fronteiras não foi feita de acordo com paralelos, e sim através de meridianos.
De fato, as fronteiras que constam no mapa do Atlas Histórico Escolar do MEC, desenhado por Manoel Maurício de Albuquerque sob forte influência das definições de Varnhagen, mostram territórios extremamente estreitos no Norte. Para Cintra, frases contidas nos documentos de doação são as chaves para a solução do problema. Por exemplo, o documento destinado a Antonio de Cardoso de Barros diz: “As quais quarenta léguas se estenderão e serão de largo ao longo da costa e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme adentro”.
- Se as divisas fossem para Oeste, o rei estaria doando um pedaço de mar. Isso é pouco lógico. Ora, o único jeito de se entrar sertão adentro é em direção ao Sul - sustenta.
Na mesma carta, há também uma cláusula de conflito. Ela previne a possibilidade de altercação sobre as limitações das divisas com os capitães vizinhos.
Mapa tradicional das Capitanias Hereditárias, como
constam nos livros didáticos
- Essa cláusula de compatibilidade não existe em nenhuma outra carta de doação. Como poderia haver conflito se as linhas fossem todas paralelas? - sentencia.
Finalmente, Cintra se valeu de uma observação sagaz do mapa de Bartolomeu Velho, de 1561. Nele, apesar de não haver divisas desenhadas, os nomes das capitanias ao Norte estão escritos em blocos separados de acordo com linhas imaginárias verticais.
- Se a divisão fosse horizontal como se pensava, o autor não precisaria “quebrar o texto” em duas ou três linhas e nem valer-se de abreviações. Ele poderia escrevê-los por extenso na mesma linha - pontua.
Além disso, no novo desenho proposto por Cintra, existem terras não distribuídas no Norte. Segundo o pesquisador, elas ficaram de fora das doações realizadas pela Coroa. Três capitanias — Maranhão, Rio Grande do Norte e São Vicente — também foram divididas em lotes. Por fim, o primeiro lote de São Vicente também teve divisas modificadas.
Para Cintra, o mapa de Varnhagen tem incorreções, pois o estudioso, em “História Geral do Brasil” (1854), recorreu a um desenho de Luis Teixeira onde as capitanias são representadas em 1586, mais de 50 anos após o início da divisão. Nele, a situação já não era mais a mesma. Por isso, o professor ressalta a importância de se duvidar de concepções tidas como definitivas:
- O artigo mostra uma coisa importante: até um entendimento que já vem de 160 anos pode ser derrubado. Ele deixa essa mensagem. Devemos colocar em dúvida outras coisas. Precisamos olhar novamente para os documentos cartográficos, voltar às fontes. Podemos ir mais fundo nos problemas.
Para Jurandyr Ross, que participou da banca de admissão de Cintra na Escola Politécnica, a descoberta é importante para o ensino de História no Brasil.
- O artigo me surpreendeu muito e causará um impacto significante para os livros escolares, que precisão corrigir esses mapas logo. Vamos ensinar uma História cada vez melhor - empolga-se.
Renato Franco, professor da disciplina Brasil Colonial no Departamento de História da UFF, elogia o artigo, mas não vê grandes mudanças na maneira com que o período pode ser enxergado pelos estudiosos do assunto.
Francisco Adolfo de Varnhagen
- O texto é muito interessante. No entanto, não traz grandes impactos para a História do Brasil Colonial. Embora tenha sido completamente extinto apenas no século XVIII, o sistema de Capitanias Hereditárias rapidamente perdeu a força diante do desinteresse de boa parte dos donatários e do assédio de outras potências. Em 1549, a Coroa portuguesa mudou de estratégia e, progressivamente, as Capitanias Hereditárias foram perdendo força como forma de organização político-administrativa. O grande mérito do artigo é propor uma discussão sobre as eventuais imprecisões cartográficas, mas muda pouco no que diz respeito à nossa forma de enxergar a História do Brasil Colonial como um todo - opina.
Cintra concorda com Franco. Para ele, o período já “foi muito bem estudado” pelos profissionais brasileiros. Sobre a alteração dos livros escolares, diz não ter muita pressa. O cartógrafo explica que no meio científico, assim como na própria História, as coisas costumam levar tempo para serem completamente aceitas e solidificadas.
- A comunidade científica tem que ter calma. O primeiro reconhecimento foi ter sido publicado por uma revista de qualidade (“Anais do Museu Paulista”, da USP). Significa que revisores e editores de lá puseram a mão no fogo pelo meu trabalho. A partir daí, cada autor de livro didático tem que tomar conhecimento do artigo e se convencer dele. Então, vai começar a fase de transição - finaliza.
*Por Tim Butcher Numerosas
inverdades tem persistido sobre Gravilo Princip, o homem que matou o
arquiduque Francisco Ferdinando. Um deles foi usado pela
Áustria-Hungria como base para sua declaração de
guerra contra a Sérvia em 1914
Assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando:
estopim para o início da guerra
Nenhum outro assassino, talvez se argumente, teve um maior impacto na
história mundial que Gravilo Princip, o terrorista que
desencadeou a 1ª Guerra Mundial ao matar o arquiduque Francisco
Ferdinando in Sarajevo em 28 de Julho de 1914. Mas eu também
sustentaria que nenhum outro assassino tem tido sua história
tão mutilada ao ser recontada.
Foi-nos dito pelos historiadores, alguns dos quais que publicaram no
período que antecedeu o centenário da 1ª Guerra
Mundial, que: Princip pulou no estribo da limusine do arquiduque para
lhe dar o tiro; que a esposa do arquiduque estava grávida
quando ela morreu no tiroteio; que o assassinato ocorreu no
aniversário de casamento dos arquiduques; que o carro não
tinha marcha-ré, então, era incapaz de corrigir o erro
do motorista que facilitou a ação do assassino; o
arquiduque corajosamente pegou a granada atirada anteriormente no
casal e jogou-a longe com indiferença; e Princip parou de
comer um sanduíche em um café de esquina antes de
aparecer para dar o tiro.
Todos esses detalhes e muitos outros publicados durante o último
século são inverdades fantasiosas, superficiais e sem
sentido. Talvez Napoleão estivesse certo quando observou que a
história não é nada além das mentiras que
não são mais disputadas. O mais escandaloso erro é
a famosa foto que intenciona mostrar Princip sendo empurrado pela
guarda austro-húngara momentos após o ataque.
Gravilo Princip: assassino dos herdeiros do
trono da Áustria-Hungria
Tem sido usado ad nauseam por anos e, triste de ver, ilustra a
capa de uma nova História de Cambridge da crise de Julho. O
problema é que ela não mostra Princip. Ela mostra outro
homem, um espectador inocente chamado Ferdinand Behr, sendo levado
para interrogatório. Quando Behr escreveu uma declaração
em 1935, que as contemporâneas autoridades do Wikipedia fariam
bem em ler, ele estava sempre surpreso pela trapalhada, pois ele
tinha mais de 1,82 metros, e tinha corpo forte, difícil de
confundir com o muito mais magro e baixo Princip.
É justo dizer que Princip, um filho de camponês da parte
mais remota da Herzegóvina, nasceu em um período que a
Bósnia-Herzegóvina era uma parte distante do império
Austro-Húngaro, não é o mais fácil
personagem histórico de se estudar. Eu gastei os últimos
três anos pesquisando-o e descobri que mesmo sua data de
nascimento era difícil de se estabelecer. As autoridades da
Igreja em Obljaj, a pobre e suja aldeia em que ele nasceu, escreveu
nos registros paroquiais 13 de Julho de 1894. Eles, como a família
de Princip, eram cristãos ortodoxos, uma identidade que, no
vernacular da classificação étnica moderna, os
torna bósnios sérvios, e eles escreviam em cirílico.
Um segundo registro, dessa vez feita pelas autoridades municipais,
mais confortáveis com a escrita latina dos ocupantes
Habsburgo, escreveram 13 de Junho de 1894. Para um leitor que não
lê cirílico, Julho e Junho são facilmente
confundíveis.
A diferença não era de grande significado até o
assassinato. Princip, preso dentro de segundos, poderia somente
encarar a sentença de morte dentro da lei Austro-Húngara
se ele tivesse 20 anos ou mais. Se seu aniversário fosse em
Julho, ele não encararia nada mais grave do que a cadeia. Se
no início de Junho, poderia ser enforcado.
Velório do arquiduque Francisco Ferdinando e de
sua esposa, arquiduquesa Sofia
Com as melhores mentes legais do período disponíveis
focando a questão, todas as vias foram exploradas. Eu achei,
em um arquivo mal preservado no Arquivo Nacional em Sarajevo, um
pedaço de papel com cálculos convertendo as datas do
calendário Juliano, que era rotineiramente usado pelos sérvios
locais e que possuía duas semanas de diferença do
calendário Gregoriano.
Os promotores Habsburgos queriam ter certeza que o acusado não
escapasse da pena de morte, se ele realmente tivesse 20 anos no dia
do tiro. No fim, uma data de nascimento de 13 de Julho de 1894 foi
aceita pela corte e Princip foi preso por 20 anos. Ele morreu na
prisão de tuberculose óssea em Abril de 1918, uns
poucos meses antes do fim da guerra que suas ações
precipitaram.
Então, pesquisando os arquivos de Viena, Sarajevo, Belgrado e
Istambul, cada detalhe sobre Princip tinha que ser manuseado com
cuidado. Incrivelmente, eu achei itens perdido por outros: gravite
deixado por Princip em 1909, sua aparição no censo
Habsburgo de 1910 e, o mais excitante para mim, seus registros da
escola secundária. Ele não era obstinado, mas reflexivo
em seu lento e deliberado caminhar em direção ao
radicalismo. Esperto, acadêmico e disciplinado, os registros o
mostram saindo fora dos trilhos e nas mãos dos
revolucionários.
Arquiduque Francisco Ferdinando e
arquiduquesa Sofia
A mais importante descoberta histórica foi que não
havia evidência para apoiar a acusação de Viena
que Princip era um agente da Sérvia, as bases dadas em Julho
de 1914 par aa declaração de guerra por parte da
Áustria-Hungria à sua pequena e turbulenta vizinha.
Isso foi o ato estratégico chave que arrastou as grandes
potências para quatro anos de carnificina nas trincheiras, um
multiplicador que tornou um assassinato localizado nos Bálcãs
em um conflito global.
Ainda não restam bases confiáveis nos registros
históricos para justificar as acusações de
Viena. Princip passou uns poucos meses em Belgrado, capital da
Sérvia, e lá ele encontrou nacionalistas extremistas,
que o ajudaram a se armar e o mandaram de volta para Sarajevo de
forma clandestina. Disso não se segue que esses extremistas
eram apoiados, autorizados ou mesmo conhecidos pelo governo sérvio.
O ataque de Viena à Sérvia tinha tanta legitimidade
quanto uma declaração de guerra pela Inglaterra à
Irlanda em retalhação ao assassinato de Louis
Mountbatten em 1979 por nacionalistas irlandeses. A melhor evidência
nos registros mostram Princip não com um nacionalista sérvio,
mas como um nacionalista eslavo, comprometido em libertar todos os
locais, conhecido como Eslavos do Sul, sejam eles croatas,
muçulmanos, eslovenos ou sérvios, então, sob o
controle de um ocupante estrangeiro, a Áustria.
Isso é uma diferença importante que mina completamente
a posição dos falcões de Viena de que um ataque
em Belgrado fosse uma retalhação justificada por um
complô sérvio para matar o arquiduque. Ainda, somente
com uma fotografia incorreta da prisão, historiadores tem
frequentemente repetido essa acusação infundada para
retratar Princip como um agente de Belgrado.
Francisco José: imperador da Áustria-Hungria
que governou de 1848 à 1916
Wilfred Owen escreveu sobre a invocação patriótica
dulceet decorum est pro patria mori como “a velha
mentira”, mas eu vejo uma mentira ainda maior que desencadeou a 1ª
Guerra Mundial. É a mentira usada por Viena em sua deliberada
deturpação do assassinato de Sarajevo e seu papel no
mais incompreendido assassinato da história.
Tim
Butcher é o autor do The
Trigger: Hunting the Assassin who Brought the World to War,
publicado por Chatto &
Windus
Um dos
debates sociais mais importantes da contemporaneidade brasileira é
a questão do acesso à universidade por parte das
populações menos favorecidas, que são em sua
maioria os negros, pois estão em uma situação de
clara desvantagem em relação a outras etnias,
principalmente os brancos, quando se trata em educação
universitária.
Necessário
é garantir a oportunidade das diversas etnias de terem acesso
à universidade, de forma democrática e republicana no
sentido de res publica, que significa “cuidado com a
coisa pública”.
Os
movimentos negros desde o fim dos anos 1980, vendo a disparidade de
negros na universidade, pedem por cotas raciais para permitir o
ingresso dos negros nas universidade, que aos seus olhos, era em si
um local elitista, racista, e que com uma “meritocracia injusta”
nas palavras do frei David, impedia o acesso ao negro. Portanto,
urgia facilitar o acesso do negro ao ensino universitário
através das cotas, que repararia a opressão que o negro
sofreu durante séculos de escravização e
marginalização social na sociedade brasileira. Propõe
políticas públicas artificiais para solucionar o
problema, clamando a intervenção do Estado na questão.
Cabe
matizarmos essa argumentação acima. Primeiramente,
devemos pensar no papel da universidade na sociedade. Ela,
primeiramente, tem o papel de desenvolver a pesquisa científica
em diversos ramos do conhecimento social para o desenvolvimento em
diversos ramos de toda uma comunidade. Para que essa tarefa se
realize, é necessário que a universidade recrute para
seus quadros pessoas que possuem pré-requisito educacional e
intelectual para desenvolver tais pesquisas. Por isso ela
necessariamente tem que ter um caráter meritocrático em
sua admissão. Portanto, deve passar ao largo de questões
étnicas-raciais da sociedade, e não deve ser local de
compensações de supostas “dividas históricas”.
Nesta
questão, a universidade cumpre seu papel meritocrático
isento de qualquer critério outro que não seja o
conhecimento adquirido pelos pleiteantes à vaga universitária
com o vestibular, que é impessoal e não questiona a
etnia ou procedência da pessoa que o presta, apenas deseja
saber se o pré-requisito do conhecimento adquirido está
de acordo com o que a universidade exige.
Isso não
significa estar a universidade descolada do que ocorre ao seu redor,
como um ser que paira acima da sociedade. Ao contrário, ela
etá completamente integrada na questão social quando
olhamos o resultado, a questão de quem está dentro da
universidade pública. Ao olharmos, vemos que as pessoas que
conseguiram nela entrar em sua maior parte são pessoas que
tiveram a possibilidade de pagar por uma educação de
qualidade. Isso mostra que o Estado não cumpre bem o seu papel
fundamental na educação, pois mesmo pagando os mais
altos impostos do mundo, quem deseja ter uma educação
de qualidade, tem que pagar uma escola particular para obtê-la.
Portanto,
se percebe que o problema fundamental está na relação
que o Estado e a sociedade tem com a educação de base.
Em um país onde mais de 70% dos alunos concluem o ensino médio
sendo analfabetos funcionais, e por volta de 50% dos universitários
também o são, estando ranqueado entre os últimos
em qualidade educacional no mundo, está muito claro que a
questão maior não é a universidade, mas sim o
ensino básico deficiente ofertado pelo governo para a maior
parte da população, que não fornece os
pré-requisitos intelectuais necessários para
possibilitar autonomia ao indivíduo.
Como o
governo é especialista em quebrar a perna do cidadão, e
depois oferecer muletas argumentando que “sem mim você não
andaria”, para ele é interessante não resolver uma
questão espinhosa e pouco eleitoreira que é a educação
para dizer que solucionará o problema do acesso à
universidade fornecendo cotas, o que sem dúvida é uma
medida de mais impacto imediatista, marketeira e eleitoreira. E para
isso, é mais positivo incentivar pautas do movimento negro,
que tem em suas lideranças pessoas ávidas por estar
dentro da estrutura do Estado para poder influenciar políticas
públicas. Então, o problema passa a ser maior do que
cotas ou não cotas. A questão que deve nortear esse
debate é a atuação do Estado dentro da educação
e de grupos do movimento negro que promovem a política de
cotas como instrumento de poder para alcançar influência
dentro do Estado.
Para
isso, temos que analisar uma questão fundamental: quem são
os maiores financiadores das ONG s de movimento negro mais
eminentes? Essas ONGs em sua grande parte tem um forte financiamento
estatal. Agora se perguntem, o Estado daria dinheiro para esses
grupos se sua política não interessasse à ele?
Claro que não.
O Estado
financia certas lideranças e grupos e os favorece para a
implementação de pautas como cotas porque com isso
obterá três vantagens:
1- dará
a impressão que está interessada nos negros como
agentes políticos
2-
desviará o foco da educação básica
3-
incentivará a estereotipagem inversa da identidade do “negro”.
Essa
estereotipagem inversa da identidade do negro significa que o negro
que quiser ser considerado negro de fato terá que apoiar as
pautas desses movimentos afirmativos, que dizem lutar por todos os
negros, que se auto intitulam representantes de toda uma raça.
Mas como uma raça é composta de indivíduos
diferenciados, com valores e pensamentos diversos,m devemos entender
que é necessário uma seleção do que é
ser “bom” ou “mal” negro para esses grupos passa a moldar
essa identidade.
Para essa gente, claro, só pode ser bom o
negro que está “em luta”, e apenas luta o bom combate
aqueles que lutam as guerras que esse movimento decide que devem ser
guerreadas, se discorda das pautas do movimento negro, como as cotas,
esse negro é chamado de “negro de alma branca”, o que
significa estar vendido ao outro lado, ou seja, só pode ser
alienado, ou mal intencionado. O movimento negro cumpre o papel de
capitão-do-mato do próprio negro, ao tirar a liberdade
do negro de ser um indivíduo autônomo que pensa por si e
chega as suas próprias conclusões. Ou se pensa por sua
cartilha ou é menos do que humano, digno de desprezo.
Por isso
é equivocado chamar esse movimento de “movimento negro”,
pois esse título tem a intenção de dizer que as
lideranças do movimento negro devem monopolizar e dirigir todo
o pensamento dos negros, sem haver possibilidade de discordância.
Esse movimento deve sim ser chamado de “movimento de negros”,
pois apenas alguns negros que compartilham de suas ideias e se
associam voluntariamente à eles, ou seja, não
representando todos os negros, apenas aqueles que se associam ou se
simpatizam com suas ideias. Por isso a partir de agora, chamarei esse
movimento de “movimento de negros”.
Camiseta 4P (Poder Para o Povo Preto):
racismo simbólico que põe a raça acima
da cidadania
Claramente
esses movimentos de negros tem uma pauta de poder. As camisetas 4P
(poder para o povo preto) não são por acaso. Desejam
dominar as estruturas do Estado para que possam realizar seus
intentos. Iludidos com o poder do Leviatã, do Estado
onipotente que tudo pode com apenas uma canetada, sonham em dirigir a
sociedade, achando-se capazes de poder comandar através de
suas estruturas todo o corpo social, apostando na tática de
dividir para dominar, apostando em um confronto racial, uma versão
racialista da luta de classes marxista, pregando muitas vezes o ódio
racial inverso ou a punição à “negros
dissidentes”, versão repaginada dos “negros fujões”
das plantations da era colonial. Exemplo disso é quando a
ex-ministra da igualdade racial, Matilde Ribeiro, disse em uma
entrevista à BBC, considera natural à discriminação
de negros contra brancos ao dizer que “A
reação de um negro de não querer conviver com um
branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação
natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho
que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça,
porque quem foi açoitado a vida inteira não tem
obrigação de gostar de quem o açoitou.”
Mas
a ministra se esquece de que a esmagadora maioria dos brancos de hoje
não tiveram um passado de escravização dos
negros. Grande parte dos brancos de hoje vieram de famílias
imigrantes, que chegaram aqui em uma situação de
penúria e estavam quase tão mal socialmente quanto os
negros. E o que dizer dos japoneses, que chegaram aqui extremamente
discriminados e conseguiram se tornar um grupo bastante
representativo na sociedade brasileira, sendo apenas 5% da população
e 30% dos estudantes das melhores universidades do país? E dos
judeus que, discriminados durante toda a historia europeia, foram
sempre os mais ricos e eminentes comerciantes da Europa moderna e
contemporânea, sendo o povo com o maiores número de
nobel no mundo, com 3% da população? Esses brancos
açoitaram quem? Será que também, como os negros,
não foram açoitados, mas se sobressaíram depois?
Além
da fala racista da ministra, há demonstrações
claras de que o movimento de negros em sua maioria busca um
revanchismo contra os brancos, tendo um discurso de incentivo à
vingança e o ódio. Exemplo claro é o vídeo “cotas, essa conversa não é sobre você”, que
discrimina os brancos, ao, primeiro, querer impedir os brancos de
participar do debate público sobre cotas, um assunto que os
afeta diretamente, além de estereotipar todos os brancos como
playboys ricos, sendo que a maioria dos pais de filhos brancos
precisam trabalhar incessantemente para alcançar os sonhos de
formar o filho e viver uma vida sem luxos para poder, quando pode,
pagar uma escola digna ao sei filho, para ver os seus esforços
frustrados por uma reserva de cotas racista e injusta em sua própria
formulação.
Nesse vídeo, se vê uma fala que incentiva o revanchismo
por parte dos negros contra os brancos.
As
perseguições racistas ao Joaquim Barbosa por contrariar
os interesses do PT, aliado de longa data de diversos movimentos de
negros, mostra bem como o negro que tem posições
políticas diferentes do movimento negro deve ser tratado com
desprezo, e mesmo sofrendo ataques racistas dos próprios
negros. Quando durante o julgamento do mensalão o ministro do
STF começou a sofrer ataques racistas sistemáticos,
tendo sido chamado de “capitão do mato”, “negro
traidor”, “negro ingrato”, não se viu nenhuma defesa do
movimento de negros ao Joaquim. Ao contrário, vimos um
deputado negro do PT dizer o seguinte: “Negros
que usam o chicote para bater em outros negros não são
meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão”. Na lógica distorcida do deputado petista, o negro que Joaquim Barbosa chicoteou é nada mais nada menos do que... José Dirceu.
E
onde estava a defesa dos movimentos de negros quando Heraldo Pereira,
o primeiro negro a estar na bancada do Jornal Nacional, processou por
uma injúria racista o jornalista Paulo Henrique Amorim, que
chamou o jornalista da Globo de “negro de alma branca”?
Defendendo o Paulo Henrique Amorim, com o argumento de que Paulo
Henrique Amorim estava sendo oprimido e não era racista, mas
Heraldo Pereira sim era racista, pois trabalhava na Globo. Então,
para essa gente, o negro que trabalha na Globo não é
negro, é apenas um ser que não vale nada e deve ser
ofendido mesmo com ataques racistas. Vejam a entrevista no link abaixo e vejam como funciona a arte, por parte do movimento de negros, de transformar a vítima do racismo no culpado, e o autor do ato de racismo, a vítima da opressão.
Prova maior que o movimento de negros defendem apenas as suas pautas e os negros que as defendem e estão pouco se importando com o negro que as critica ou não se enquadra dentro dos padrões estabelecidos do que é ser negro na visão desses movimentos, foi quando um comerciante carioca foi acusado de racismo por vender a boneca negra mais barata do que a branca, como se o comerciante tivesse culpa de haver maior procura pelas bonecas brancas. Percebe-se que o movimento de negros está mais preocupado em defender bonecas do racismo que gente de carne e osso, se isso interessar suas políticas racialistas
Sobre
as cotas raciais, aonde
as cotas foram implementadas, não deram certo. Fracassaram na
Índia, Nigéria, e nos EUA. Fracassaram por um simples
motivo, explicado por Mises, que diz que políticas públicas
que buscam moldar uma sociedade frequentemente alcançam os
resultados inversamente proporcionais aos que desejam. E Thomas Sowel
completa, com o brilhantismo que lhe é habitual, que a idéia
de que a cota é temporária e perdurará até
a igualdade racial ser alcançada é impossível
visto que nenhuma sociedade isso foi alcançado, portanto, as
cotas tendem a ser uma política eterna (explicar as
contradições da cota).
E
essa política eterna interessa a certos grupos políticos,
incluindo movimentos de negros, para manter o negro sob seu domínio
ideológico, que busca uma política de busca do espaço
do negro através da política de estratificação
social, ganhando “feudos” para os negros, reservas de mercado e
de posicionamentos que vão de encontro à meritocracia.
Como
escapar dessa tentativa de dominação e haver uma
verdadeira liberdade do negro? A única forma é
construir uma sociedade meritocrática, onde o que vale é
a capacidade individual de cada um, não quaisquer outros
atributos, seja a etnia, a orientação sexual ou
quaisquer outras coisas. Para isso poder começar a ser
realizado, o negro e as minorias oprimidas não tem que exigir
que o Estado as proteja com reservas de mercado ou leis que os
beneficie, mas sim que o Estado cumpra o seu papel mínimo. A
meritocracia social absoluta é impossível, pois há
diversos fatores sociais e de nascimento que beneficiam uns e
prejudicam outros, porém, possibilitar e incentivar a ascensão
social pelo mérito individual é a base da construção
de uma sociedade que os indivíduos sempre almejem a
excelência.
Para
que isso possa ser possível, é fundamental que se
forneça de fato uma educação de qualidade à
todos, permitindo uma igualdade de oportunidades tanto para o pobre
quanto para o rico. Mas quem faz esse tipo de colocação
é o cidadão. Tornar o negro igual ao branco socialmente
é fazê-lo ver além da cor da pele, é
fazê-lo ver que somente se posicionando como cidadão que
exige igualdade perante à lei e que o Estado cumpra seu papel
mínimo e o deixe livre para realizar seus próprios fins
e objetivos é que haverá real emancipação
do negro. Quando, como Morgan Freeman, nos recusarmos a comemorar
dias da Consiciencia Negra e nos recusarmos a aceitar coisas abjetas
como “hino à negritude” é que nos veremos como
iguais. É quando o negro se torna não mais membro
coletivo de uma etnia, mas sim cidadão.
A
ciência provou que o conceito de raça, criado no século
XIX, é um fato superado. Neguinho da Beija Flor, por exemplo,
tem 70% de DNA branco, e um nazista declarado norte-americano possui
40% de DNA negro. Essa descoberta é um alivio, pois os maiores
crimes do século XX se deram em nome de ideologias políticas,
do Estado e em defesa de uma raça. Esses três elementos
são os eixos basilares do movimento negro (falar do conceito
de raça).
Por
isso, o sonho do Martin Luther King, que deseja que um dia seus
filhos sejam vistos não pela sua cor da pele, mas pelo seu
caráter, é o real ideal que deve ser buscado em uma
sociedade democrática e que não faz da sua
especificidade étnica fronteiras a serem erguidas ou uma
comunidade em conflito com outras por causa de sua cor da pele, mas
sim experiências enriquecedoras e agregadoras para uma
comunidade que aceite as diferenças dentro de limites éticos
como uma riqueza social a ser cultivada.
Para
finalizar a questão do quão nefasto é o racismo,
mesmo com supostas boas intenções de reparação
de uma dívida histórica, dois textos de Ayn Rand:
«Hoje,
o racismo é considerado crime se praticado por uma maioria —
mas um direito inalienável se praticado por uma minoria. A
noção de que a cultura de alguém é
superior a todas as outras porque representa as tradições
de seus ancestrais é considerada chauvinismo se adotada por
uma maioria — mas será chamada de orgulho “étnico”
se adotada por uma minoria. A resistência à mudança
e ao progresso é considerada reacionária se manifestada
por uma maioria — mas regredir a uma aldeia dos Bálcãs,
a uma tenda indígena ou à selva é aclamado se
isso é expresso por uma minoria.»
«O
racismo é a mais baixa, a mais cruelmente primitiva forma de
coletivismo. É a noção de atribuir um
significado moral, social ou político à linhagem
genética de uma pessoa — a noção de que os
traços intelectuais e de caráter de um indivíduo
são produzidos e transmitidos pela química interna de
seu corpo. O que quer dizer, na prática, que uma pessoa não
deve ser julgada por seu próprio caráter e suas
próprias ações, mas pelo caráter e pelas
ações de uma coletividade de ancestrais.
O
racismo alega que o conteúdo de uma mente humana (não
seu aparato cognitivo, mas seu conteúdo) é herdado; que
as convicções, valores e caráter são
determinados antes que a pessoa nasça, por fatores físicos
além do seu controle. Essa é a versão do homem
das cavernas para a doutrina das idéias inatas — ou do
conhecimento herdado — que foi completamente refutada pela
filosofia e pela ciência. O racismo é uma doutrina de
brutos, por brutos e para brutos. É uma versão de
celeiro ou de fazenda de gado do coletivismo, apropriada para uma
mentalidade que sabe a diferença entre as várias raças
de animais, mas não a diferença entre animais e seres
humanos.
Como
todas as formas de determinismo, o racismo invalida o atributo
específico que distingue o ser humano de todas as outras
espécies vivas: sua capacidade racional. O racismo nega dois
aspectos da vida humana: a razão e a escolha, ou a mente e a
moralidade, substituindo-os pela predestinação
química.»
O blog Realidade e História tem como intenção do seu autor escrever sobre o cotidiano político, econômico e social desse país, além de historiografia, na visão de um historiador, sendo muitas vezes a minha opinião saindo do senso comum esperado por um historiador no Brasil, geralmente alinhado com pensamentos de esquerda como condição sine qua non para o exercício intelectual.
Nesse blog, além de quebrarmos o paradigma dominante do pensamento acadêmico de humanas brasileiro, terá como norte a manutenção da liberdade de expressão, condição fundamental para a prática livre da intelectualidade e tão ameaçada nos dias de hoje nesse país por forças políticas que buscam uma hegemonia e controle social de todo o espectro político.
Clio, musa da História que escreve atentamente
e incansavelmente sobre a realidade
Espero que o maior número possível de leitores entrem nessa página, seja para concordar ou discordar do que aqui é escrito, o importante é que o debate aconteça.
Para a imagem do blog foi escolhido o quadro de Diego Velasquez, A Rendição de Breda (1634-35), pois ela é bastante representativa de como a realidade e suas relações no espaço-tempo são construídas através da guerra e do combate, seja ele armado ou não, questão que voltarei em uma reflexão futura.
A escolha do cavalo negro no símbolo do blog é influência do cavalo do Apocalipse de cor preta, que carrega uma balança, quis simbolizar a questão da justiça, que é extremamente falha nesse país e em várias partes do mundo, o que causa diversas problemáticas no mundo, sejam sociais, econômicas e de escassez de víveres para muitas pessoas desse planeta.
Eis o trecho do Apocalipse que fala sobre o cavalo negro:
"E eu vi, e eis um cavalo preto; e o que estava sentado nele tinha uma balança na mão. E eu ouvi uma voz como que no meio das quatro criaturas viventes dizer: "Um litro de trigo por um denário, e três litros de cevada por um denário; e não faças dano ao azeite de oliveira e ao vinho."
Apocalipse 6:6
Com essa mensagem sombria, porém, otimista pela possibilidade de buscarmos justiça através do debate intelectual e ação em nossa realidade e tempo-espaço histórico, é que encerro essa mensagem de boas-vindas.